31 August 2017

Randy Newman - "The Great Debate"

UMA ORGIA AUSTERA 


Quando, à sétima canção de Stop Making Sense, David Byrne inicia um veloz corta-mato em redor do palco e sobre os adereços, enquanto o resto dos Talking Heads se entrega a uma intensa coreografia aeróbica, se até aí não tinha ficado claro, o que se escuta nessa interpretação de “Life During Wartime” eliminaria todas as dúvidas: “This ain't no party, this ain't no disco, this ain't no fooling around”. Não só não era, de facto, nada disso – a canção falava de cenários de guerra pós-apocalípticos com alusões aos Baader-Meinhof – mas era também completamente diferente da ideia que até aí fazíamos (e ainda hoje, em larga medida, fazemos) do que deveria ser um filme-concerto. Em Abril passado, por ocasião da morte do realizador, Jonathan Demme, Byrne recordou-o: “O génio de Jonathan foi encarar o concerto como uma peça teatral colectiva na qual as personagens e os seus tiques seriam apresentados ao público, permitindo-lhe conhecer a banda como pessoas com as suas personalidades distintas. Eu estava demasiado concentrado na música, na encenação e na iluminação para me aperceber quão importante era o recorte das personagens. Foi isso que tornou o filme tão diferente e especial”. À época, na “New Yorker”, Pauline Kael escreveu que ir ver Stop Making Sense era “como participar numa orgia austera” e descrevia David Byrne enquanto “esteta que opera no modo moderno de uma ironia assustadora e catatónica”


Speaking In Tongues, o quinto álbum dos Talking Heads tinha saído em Junho de 83 e, na digressão que se lhe seguiria, David Byrne iria pôr em prática uma série de ideias que, há algum tempo, lhe tinham começado a espevitar o nervo criativo. Durante a tournée do anterior Remain In Light (1980), quando passara pelo Japão, tivera oportunidade de assistir a representações de teatro tradicional Kabuki, Noh e Bunraku, “altamente estilizadas, ao contrário do teatro pseudo-naturalista a que, no Ocidente, estamos habituados. Todos usavam roupa de tamanho grande, extremamente elaborada, e moviam-se de modo diferente daquilo que acontece na vida real”, conta ele em How Music Works (2012). Um pouco mais a Sul, em Bali, fora descobrir práticas religiosas rituais e o teatro de sombras local e tomara nota de que “mesmo quando alguns participantes entravam em transe, havia procedimentos estabelecidos, não se tratava de momentos puramente caóticos”. Aprendera, enfim, que “a ênfase ocidental no pseudo-naturalismo e no culto da espontaneidade como forma de autenticidade era apenas um modo de fazer as coisas em palco”. E, em Nova Iorque, no contacto com a cena teatral "downtown" – Robert Wilson, Mabou Mines, Wooster Group – e através das observações de William Chow (actor da ópera de Pequim que Byrne convidara para assistir a concertos dos Heads), amadurecera uma espécie de conceito pós-brechtiano: “primeiro, o mágico explica como se faz o truque e, a seguir, executa-o”.



Encontravam-se prontas a usar todas as peças que, meticulosamente reunidas, constituiriam os concertos que Jonathan Demme iria filmar no Pantages Theatre de Hollywood, em Dezembro de 1983: 88 minutos de um crescendo feito da exuberante geometria das coreografias (em que, ao quarteto base se acrescentariam Bernie Worrell, Alex Weir, Steve Scales, Lynn Mabry e Ednah Holt), da diabólica precisão das poliritmias pop-funk, da "body language" espasmódica de David Byrne e da sua "business suit XXXL", numa síntese de dança contemporânea, teatralidade pop experimental e fantasia ferreamente controlada. Só na digressão de Love This Giant (2012), com St. Vincent, David Byrne voltaria a envolver-se num projecto de palco de tal dimensão. Mas, então, já não estaria Jonathan Demme atrás das câmaras.
Está explicado o "alerta terrorista" 
(o fisco é fodido e, se faz olhinhos de bambi a uns e arreganha a dentuça a outros, sabe-se lá quem poderá "islamizar-se"...)
O PAÍS DOS ZEZÉS (LX)

A Ratoeira ("et pour cause") em alerta máximo

30 August 2017

(continuando a espalhar a boa nova) 

Um assunto que, em 1911, deveria ter ficado definitivamente resolvido
 
"Com a publicação, a 20 de Abril de 1911, da Lei da Separação (...) - um verdadeiro escândalo para os membros da Igreja e para os crentes -, as pensões que passam a ser atribuídas aos membros do clero são consideradas como transmissíveis às suas viúvas e filhos, reconhecendo e aceitando a quebra do celibato a que, supostamente, os padres deviam obedecer" (Patrícia Carvalho em  Fátima - Milagre ou Construção?)
VINTAGE (CCCXCI)

Randy Newman - "My Life Is Good"
 

29 August 2017

A "incorporação de conhecimento" foi tanta que houve quem quisesse ficar mais uma semanita para melhor o digerir
O PAÍS DOS ZEZÉS (LIX)



Medellin: o regresso
MATÉRIA NEGRA (I)


No clima de elevado debate político que, em 2016, caracterizou a campanha para a nomeação do candidato Republicano à Presidência dos EUA, um dos tópicos mais intensamente discutidos foi a dimensão do aparelho reprodutor de Donald Trump. Aparentemente desencadeada por um quadro de Illma Gore – “Make America Great Again”, um nu de Trump cujo detalhe anatómico, comparativamente, faria o David, de Miguel Ângelo, assemelhar-se a um Príapo entusiasmado – banido do Facebook, recusado por diversas galerias e que valeria à autora inúmeras ameaças e agressões físicas, a polémica seria aproveitada pelo não menos inquietante adversário de Trump, Marco Rubio, que, a propósito, faria o tipo de comentários habituais nas melhores casernas em que se estuda “ciências” políticas. Randy Newman esteve quase, quase a participar. Chegou mesmo a escrever uma canção, “What a Dick”, que glosava o tema (“My dick’s bigger than your dick, it ain’t braggin’ if it’s true, my dick’s bigger than your dick, I can prove it too. There it is! There’s my dick, isn’t that a wonderful sight? Run to the village, to town, to the countryside, tell the people what you’ve seen here tonight”) mas arrependeu-se e não a publicou: “Era demasiado fácil e não me apeteceu entrar na muito feia troca de palavras que estava a acontecer”


Porém, no momento em que, nove anos depois de Harps And Angels, lança Dark Matter, não resistiu a desabafar com a “Mojo”: “Li, recentemente, que Donald Trump podia ser uma personagem de uma canção minha. E é verdade! Nunca imaginei que chegássemos a ver alguém pior do que o tipo de ‘My Life Is Good’ [de Trouble In Paradise, 1983], tão ignorante e arrogante ao mesmo tempo mas... aí está ele!” A já vasta galeria de “ugly americans” de Newman acolhê-lo-ia, sem dúvida, de braços abertos. E, agora, num álbum ricamente orquestral povoado pelos tristes anónimos e facínoras avulsos que Newman nunca esquece (Putin é convenientemente mal tratado), não seria difícil imaginar Trump como um dos intervenientes no fabuloso mini-musical de 8 minutos da abertura, "The Great Debate", no qual, com moderação de “Mr. Newman, self-described atheist and communist”, "true believers" e cientistas se enfrentam, sendo os últimos, face à desproporção do armamento historicamente acumulado, copiosamente derrotados: “Como poderiam ateus e agnósticos lutar contra o Golden Gate Quartet, Bach, Mozart, Beethoven ou Brahms?...”
... parece que a sobranceria é mesmo inevitável: "lideres espirituais", que são "a cara de grandes impérios comerciais", acusados de violações, responsáveis por "organizações de caridade" e exibindo a "contradição entre uma vida de fantasia e riqueza e a proclamação de princípios de ascetismo", com "uma maioria de seguidores de classes baixas (...) mas também um grupo de seguidores influentes", e adeptos das "medicinas tradicionais" serão uma originalidade... indiana?
STREET ART, GRAFFITI & ETC (CLXXXIX)

Nova Iorque, EUA, 2017 (Molly Crabapple)

O PAÍS DOS ZEZÉS (LVIII)

... opá...

28 August 2017

This Is The Kit - "Breathe all 
the way in"

... e, depois do lançamento da "Caras - Realeza", o Capelão Magistral ensina-nos que o JayCee não pensava senão em copos (e sabe-se lá, se em gajas também, como diria o Eurogel) e a Santa Virgem era uma metediça do caraças... a Opus Dei não vai abrir um inquérito?
Radicais livres (LVII)


(nada de sobrancerias: é igualzinho a 
todos os outros que enxameiam a História)

25 August 2017

LIMPAR O PÓ AOS ARQUIVOS (XXXV)


(clicar na imagem para ampliar)

(2001)
 
"On the day before the Independence Day of Ukraine, the sextremist group FEMEN erected the statue of “The Chocolate Freedom”. The statue is installed on the pedestal of the deposed Lenin. Thus, the movement FEMEN sums up the Independence of Ukraine, the main achievement of which is the enrichment of the chocolate magnate, and concurrently the President of Ukraine Petro Poroshenko"
Radicais livres (LVI)

até pode ser um bom vereador

Edit (12:37): coluna vertebral procura-se
O PAÍS DOS ZEZÉS (LVII)

... algo de freak-porn telúrico... o Lynch chamava-lhe um figo!

23 August 2017

PÉRIPLO


Em Maplebeck, no Nottinghamshire, Darren Hayman ouviu contar a história do dono de um pub que, no final da noite, deixava o porco de estimação beber a cerveja que restava no fundo dos barris e encontrou-se com Judith que limpava as lápides do cemitério local com uma escova de dentes. Em Shapwick, Somerset, descobriu folhas de árvores presas aos troncos com pioneses coloridos. À entrada de Cromwell, um local saudou-o: “I’m Dennis, but they all call me Bill”. Num banco de jardim de Norton Le Clay, no Yorkshire, viu inscrito o nome de uma refugiada belga que para lá emigrara durante a guerra e, sobre ela, escreveu uma canção (“Come all you refugees and strays, come all you immigrants and waifs, come to our house and stay, you’re welcome”). Há aldeias tão pequenas que, mal se entra, já se está sair. Mas, em Tellisford, à beira de uma represa sobre o rio Frome, deu com um piquenique de jovens, que se banhavam no rio. Gravou-lhes as gargalhadas, o correr das águas e os mergulhos. East Norton parecia habitada por fantasmas e, no pub de Nether Kellet, havia a fotografia de uma equipa de futebol feminino do tempo da guerra. 

Viajou com Judy Dyble – a antecessora de Sandy Denny nos Fairport Convention – e a cadela Molly até Upper Slaughter, no Gloucestershire, e, após a sopa comunitária da tarde, na margem do Eye, escutou-a a dedilhar na auto-harpa um devaneio sobre a passagem do tempo. Wooley e Stretton En Le Field fizeram-no pensar em canções do espólio da English Folk and Dance Society que já tinha encontrado na Cecil Sharp House. No abrigo de uma paragem de camionetas, em Woodend (em cujo céu três aviões colidiram durante a segunda guerra mundial), alinhavou uma música que quase o fez reencarnar na pele de Ray Davies. Olhou para Chantry e teve a sensação de que era a aldeia que o observava a ele. É o "trailer" possível de Thankful Villages Vol. 2, segundo painel do tríptico de Darren Hayman iniciado no ano passado, dedicado a um périplo pelas 54 aldeias inglesas nas quais todos os homens que partiram para as trincheiras na guerra de 14/18 regressaram vivos à terra. Mais belíssimo documentário de rádio (e colecção de videos) com sonoplastia ficcionalmente sofisticada do que propriamente um convencional álbum de canções, as dezoito "thankful villages" que faltam ficam prometidas para o terceiro volume, no próximo ano.
Laura Marling - Live on KEXP

"I am philosophically committed to 'mechanistic naturalism', from which follows the conclusion that anything humans can do, machines can in principle do, too. In many cases we already know they can do it better. Whether they can do it better in all cases remains to be seen, but I wouldn’t bet against it. The precautionary principle should lead us to behave as though there is a real danger — a danger we should take immediate steps to forestall. Unless, that is, we think robots could to a better job of running the world than we can. And a better job of being happy and increasing the sum of sentient happiness" (Richard Dawkins)

21 August 2017

O PAÍS DOS ZEZÉS (LVI)

... portanto, a evitar
O ELOGIO DO ERRO

  
Num dos 115 cartões das “Oblique Strategies”, de Brian Eno (inspiradas nos “Event Scores” de George Brecht, um dos vanguardistas do Fluxus), lê-se “Honor thy error as a hidden intention”. Essencialmente o mesmo que, segundo Herbie Hancock, Miles Davis lhe terá dito depois de, durante uma interpretação de "So What", ele ter tocado no piano um acorde errado (em torno do qual Davis continuou a improvisar de modo a torná-lo “certo”): “Quando tocas uma nota errada, é a nota seguinte que decide se isso foi bom ou mau. Os erros não existem, existem apenas oportunidades para improvisar”. Em 2010, num documentário da Arena TV, Eno pegava no assunto por outro ângulo, o da obsessão pela eliminação de toda e qualquer imperfeição que a tecnologia actual permite: “A tentação da tecnologia é polir tudo, homogeneizar tudo, até que todos os compassos soem iguais. Até que não reste nenhum vestígio de vida humana”.



E, quatro anos depois, a propósito de uma "box-set" de Fela Kuti que compilou para a Knitting Factory Records, acrescentava: “Actualmente, podemos fazer e refazer tudo. Mas muitos dos discos de que mais gostamos são aqueles que não foram infinitamente retocados de modo a ficarem perfeitos. A pergunta que todos fazemos é: será que fica melhor assim? A música ganha, realmente, alguma coisa com isso? É uma tentação a que é muito difícil resistir. Se, numa gravação, descobrirmos uma nota errada, no passado dir-se-ia, é uma grande interpretação, fica mesmo assim. Agora, reafinamo-la. E interrogamo-nos sempre: ao fazer a correcção, o que teremos perdido da tensão daquela performance, da sensação de humanidade, de vulnerabilidade, de verdade orgânica?” O mais recente contributo para o debate veio de J. Willgoose, Esq., máquina de pensar dos Public Service Broadcasting, autores do recente e óptimo Every Valley. Numa TEDx Talk de Junho do ano passado, em Londres, cujo tema era “Live music should go wrong”, reflectindo sobre o aborrecimento que podem ser concertos nos quais, noite após noite, tudo se repete com uma precisão mecânica, foi mais longe: “O crime é uma expressão da liberdade. Isto é, não é possível existir uma sociedade livre sem que exista a possibilidade de serem perpetrados crimes horríveis. A única sociedade em que não poderia existir nenhum crime seria aquela em que também não existiria nenhuma liberdade. Esse mesmo princípio pode ser aplicado à música ao vivo: deve conter o potencial para o erro, a possibilidade de que alguma coisa imprevisível aconteça e de que algo corra mal”.
Radicais livres (LIV)

 
(ver aqui)
Chrysta Bell - "I Die" 
(C. Bell/D. Lynch/D. Hurley)

18 August 2017

... e os finlandeses também querem...
METRALHA


No excelente documentário de Göran Olsson, The Black Power Mixtape 1967–1975 (2011), numa entrevista dada na prisão de Marin County, em 1972 – onde esteve detida 16 meses, em isolamento, por crimes de que acabaria absolvida –, a académica e militante dos direitos cívicos, Angela Davis, à pergunta sobre se aprovava os métodos violentos dos Black Panthers, quase perplexa, responde: “Cresci em Birmingham, no Alabama. Muitos amigos meus foram mortos por bombas colocadas pelos racistas brancos. Era muito pequena mas ainda me recordo do som das bombas a explodirem do outro lado da rua. Bull Connor, o governador da cidade, ia para a rádio fazer declarações como ‘os pretos mudaram-se para um bairro branco, não se admirem se esta noite correr sangue’ e o sangue corria mesmo. E vem, agora, perguntar-me se eu aprovo a violência?... Isso só quer dizer que não faz a menor ideia da violência de que os negros foram vítimas neste país desde o dia em que o primeiro negro foi raptado na costa de África”



Lee Bains III é branco mas também natural de Birmingham. E, aparentemente, tão assombrado pela história e memórias da cidade quanto o Springsteen inicial pela New Jersey natal. Não é o único ponto de contacto: não haverá algo de matricialmente springsteeniano em chamar-se Lee Bains III + The Glory Fires? E, por exemplo, “The boys demand to know if he’s white or black, and squint into his sun-browned face, framed with black curls of hair, he sighs, and, with his finger, draws sprawling maps of the Middle East into the hot damp heavy air, ‘So, are you white or black?’ His mouth falls open, his eyes trace the patchy skyline, frayed by the evening sun, a green-neon crucifix crowns the steeple where, Sundays, his folks recite prayers in the Lord's dead tongue”, não soa curiosamente familiar e, ao mesmo tempo, indissociável da cidade que, pelos motivos que Angela Davis explica, ficou conhecida por “Bombimgham”? Youth Detention (Nail My Feet Down To The Southside Of Town) é, então, uma devastadora metralha sonora onde coabitam igualmente Clash, Hüsker Dü, R.E.M.,e o Costello que expelia bílis, unidos por uma convicção (“Don’t you tell me, ‘It’s only rock’n’roll’ when I’ve seen it wrestle truths from noise”) e um desígnio: “I don’t want to be a whitewash, I don’t want to be an absence, I don’t want to be the great silence”.
Pig's blood, oh yeah...

16 August 2017

 
A latrina, o dinâmico mundo da banca, a política, os grandes vultos nacionais, Portugal numa casca de noz, todos reunidos num educativo compacto para uma leitura de férias agradável e levezinha

Radicais livres (LIII)



SEM MEDO 


De Winchester para Bristol, de Bristol para Paris, o ponto de chegada na trajectória de Kate Stables, aka This Is The Kit, não se limitou a enriquecer-lhe o sentido de humor linguístico – a constatação de que, em França, será sempre irremediavelmente conhecida como Zis Iz Za Kit – mas fê-la igualmente despertar para o mundo à volta, de modo muito mais atento que na plácida Inglaterra: “Sinto que é altura de não ter receio de falar de política em nome da boa educação ou por medo de ofender alguém. Temos de dizer abertamente o que pensamos do mundo, não podemos entregar-nos nas mãos de políticos e milionários que têm feito um trabalho miserável. Uma das coisas, intrinsecamente francesas, que aprendi aqui foi que, se alguma coisa não está bem, sai-se logo para a rua em protesto. Num instante, a Place de La République enche-se de milhares de pessoas manifestando o seu descontentamento”


É bem capaz de ser disso que ela fala em "Bullet Proof" (“To be patient and awake, there are things to learn here, Kate“), a primeira faixa de Moonshine Freeze, distintíssimo sucessor do óptimo Bashed Out (2015). E que, em "Easy On The Thieves" aplica (“People want blood, and blood is what they've got; suckers feeding, you could feel them wheedling, once you had some space, now you've got panicking, that's just how they work, exactly how they win, first they dope you up, and then they dope you in”), justificando: “Não somos nós quem rouba nem somos os corruptos mas, se fingirmos que nada vemos, seremos também responsáveis. E não esqueçamos o venenoso papel dos media que nos intoxicam e manipulam com notícias falsas”. É, então, Moonshine Freeze o álbum “de protesto” de Kate Stables? Não afunilemos a escuta: se pode dizer-se que “Everything we broke today, needed breaking, anyway” é, eventualmente, generalizável, não haveria perdão para quem não prestasse toda a atenção à infinita riqueza de pormenores urdida pela produção de John Parish (depois de We Dissolve, de Chrysta Bell, outro prodígio de subtileza electroacústica), pelas espirais de guitarra-nos-interstícios de Aaron Dessner, mas, sobretudo, pela voz, pelas melodias e palavras de uma discípula dos Dylan – Thomas e Bob – (“e dos Sleaford Mods!”, acrescenta ela, veementemente), “viciada em aliterações e na magia da linguagem para além dos dicionários”.

14 August 2017


Edit (15/08): ... têm mesmo de afastá-la da bebida...
Já vencedora, em 2016, dos Prémios "Flower Power" e "Portugal Fashion", Assunção Cristas arrebata também, agora, o

 2017 - Prémio “Perfume de Mulher”


This Is The Kit: From Morecambe Bay to Clive Sullivan Way

APENAS É 

Num texto para a “New Yorker” do passado 12 de Julho, Alex Ross – o autor de The Rest Is Noise: Listening to the Twentieth Century (2007) – referia-se ao discurso que, dias antes, o ignaro Trump havia proferido em Varsóvia, no qual, defendendo a superioridade da civilização ocidental, argumentara “We write symphonies!” E acrescentava que, no dia seguinte, durante a cimeira do G20, em Hamburgo, “The Donald”, na companhia de gente tão pouco recomendável como Putin, Erdoğan, Xi Jinping ou Ibrahim Abdulaziz Al-Assaf (Arábia Saudita), assistira a uma interpretação da “Nona” de Beethoven. O que Joachim Lux, do Thalia Theatre, consideraria “um abuso pornográfico da arte”: apresentar uma das bandeiras da fraternidade universal perante uma plateia que incluía governantes capazes de espezinhar diariamente os direitos humanos não seria senão uma fantochada.



É, então, um bom pretexto para recordar aquilo que, em A Nona Sinfonia de Beethoven: Uma História Política (1999), Esteban Buch escreveu: “Os músicos românticos transformaram-na num símbolo da sua arte. Aos olhos de Bakunine, que sonhava fazer tábua rasa do mundo burguês, apenas a ‘Ode à Alegria’ merecia ser salva. Os nacionalistas alemães admiravam a potência heróica dessa música, enquanto os republicanos franceses reconheciam nela a tripla divisa de 1789. Se os comunistas a olhavam como o evangelho de um mundo sem classes, para os católicos era, pura e simplesmente, o Evangelho que nela estava espelhado. (...) E era com ela que Hitler festejava os seus aniversários, apesar de as suas vítimas a tocarem como símbolo de oposição nos campos de concentração. (...) Foi, em tempos, o hino da república racista da Rodésia, como é hoje o hino da União Europeia”. 41 anos antes de Buch, a 18 de Janeiro de 1958, num dos seus Concertos para Jovens subordinado ao tema “O que significa a música?”, Leonard Bernstein (depois de contar uma trepidante aventura do Super Homem como argumento imaginário do Don Quixote, de Richard Strauss) tinha já deixado o assunto razoavelmente esclarecido: “Sejam quais forem as histórias que vos contem acerca do que a música quer dizer, esqueçam-nas. O que a música significa não são histórias. A música nunca é sobre coisa alguma. A música apenas é. A música são notas, belíssimas notas e sons combinados de tal forma que retiramos prazer de os escutar e nada mais. (...) Não precisamos de histórias nem de imagens para nos explicar o que a música significa”.
Radicais livres (LII)

Anonymous

We Are Legion: The Story of the Hacktivists (real. Brian Knappenberger, 2012)