14 August 2017

APENAS É 

Num texto para a “New Yorker” do passado 12 de Julho, Alex Ross – o autor de The Rest Is Noise: Listening to the Twentieth Century (2007) – referia-se ao discurso que, dias antes, o ignaro Trump havia proferido em Varsóvia, no qual, defendendo a superioridade da civilização ocidental, argumentara “We write symphonies!” E acrescentava que, no dia seguinte, durante a cimeira do G20, em Hamburgo, “The Donald”, na companhia de gente tão pouco recomendável como Putin, Erdoğan, Xi Jinping ou Ibrahim Abdulaziz Al-Assaf (Arábia Saudita), assistira a uma interpretação da “Nona” de Beethoven. O que Joachim Lux, do Thalia Theatre, consideraria “um abuso pornográfico da arte”: apresentar uma das bandeiras da fraternidade universal perante uma plateia que incluía governantes capazes de espezinhar diariamente os direitos humanos não seria senão uma fantochada.



É, então, um bom pretexto para recordar aquilo que, em A Nona Sinfonia de Beethoven: Uma História Política (1999), Esteban Buch escreveu: “Os músicos românticos transformaram-na num símbolo da sua arte. Aos olhos de Bakunine, que sonhava fazer tábua rasa do mundo burguês, apenas a ‘Ode à Alegria’ merecia ser salva. Os nacionalistas alemães admiravam a potência heróica dessa música, enquanto os republicanos franceses reconheciam nela a tripla divisa de 1789. Se os comunistas a olhavam como o evangelho de um mundo sem classes, para os católicos era, pura e simplesmente, o Evangelho que nela estava espelhado. (...) E era com ela que Hitler festejava os seus aniversários, apesar de as suas vítimas a tocarem como símbolo de oposição nos campos de concentração. (...) Foi, em tempos, o hino da república racista da Rodésia, como é hoje o hino da União Europeia”. 41 anos antes de Buch, a 18 de Janeiro de 1958, num dos seus Concertos para Jovens subordinado ao tema “O que significa a música?”, Leonard Bernstein (depois de contar uma trepidante aventura do Super Homem como argumento imaginário do Don Quixote, de Richard Strauss) tinha já deixado o assunto razoavelmente esclarecido: “Sejam quais forem as histórias que vos contem acerca do que a música quer dizer, esqueçam-nas. O que a música significa não são histórias. A música nunca é sobre coisa alguma. A música apenas é. A música são notas, belíssimas notas e sons combinados de tal forma que retiramos prazer de os escutar e nada mais. (...) Não precisamos de histórias nem de imagens para nos explicar o que a música significa”.

1 comment:

alexandra g. said...

Sim, JBG, ninguém precisa.
O melhor de (con)tudo, é que tu, um crítico musical, sejas tão imensamente honesto :)**********