22 July 2016

"(...) Oh, a humanidade! Essa 'velha horrível', como lhe chamou Nietzsche, no momento em que, na Gaia Ciência, proclamava: 'Nós não somos humanitários' e 'não amamos a humanidade' (...)" (AG)

19 comments:

Ana Cristina Leonardo said...

Muitas vezes estou de acordo com o Guerreiro, esta interpretação do islamismo radical parece-me, no mínimo, de uma candura enorme.

João Lisboa said...

Candura? O que este ponto de vista (próximo do que eu penso da maioria dos últimos atentados) tem de mais terrível é fazer compreender que, com molho islâmico ou não, é praticamente impossível prever onde e quando serã o próximo.

As "velhas" organizações terroristas (Brigadas Vermelhas, IRA, ETA, FP25, até ainda a própria Al Qaeda) tinham uma estrutura: pegava-se por uma ponta e, melhor ou pior, apanhava-se a rede. Aqui não há rede nem estrutura, só pontas soltas. O tipo que, amanhã, se vai fazer explodir no Colombo ou na Ponte sobre o Tejo pode ser o teu vizinho do lado que andou a ver umas merdas na Net sobre o ISIS, não bate lá muito bem da bola, chateou-se com o patrão e toma lá BADABOUM!

Claro que as bófias mundiais nunca poderão reconhecer isto, seria admitir a quase total inutilidade da sua existência. E têm de ir dizendo que lá desactivaram mais uma célula e impediram dois ou três atentados. Porventura, ainda existiram alguns terroristas "old school". Mas esses são os menos perigosos.

João Lisboa said...

Errata: não é "ainda existiram", é "ainda existirão" (vergonha...)

Ana Cristina Leonardo said...

João, a minha leitura do texto é exactamente oposta à tua. O António Guerreiro confunde precisamente o terrorismo salafita (que é a isso que assistimos) com o terrorismo "old school" ("estamos antes confrontados com a islamização da revolta radical"). Mas qual revolta radical? Dos tipos que não batem bem da bola, como tu dizes? E onde é que há islamização da revolta, quando o maior número de vítimas do terrorismo do ISIS e derivados se situa fora da Europa, contra precisamente gente que pratica o Islão? Por fim, mas podia argumentar muito mais coisas: o que raio quer dizer: "o que é preciso ser pensado: antes de mais, [é] o inconsciente terrorista e aquilo que dá lugar a uma “guerra das subjectividades”? Freud? A esta hora?! Tem lá paciência. Aquilo a que assistimos, na minha modesta opinião, não é a uma guerra entre civilizações (o tal estafado humanismo versus barbárie) mas a uma guerra intra-religiosa (não sei se a palavra existe) islâmica onde fomos meter o bedelho causando um desastre de que agora pagamos as consequências. Como dizia o Pierre Conesa (o tal francês de que deixei um link) no outro dia num debate feito após a mortandade em Nice: "A questão hoje é que o mundo árabe e muçulmano está dividido por uma guerra de religiões. Se olharmos para o Paquistão, o Afeganistão, a Síria, Iraque, o Iémen, Bahrein (e em África também), há uma guerra sunitas-xiitas e somos nós, os cavaleiros brancos, somos nós que vamos separar essas comunidades...! É como se a Arábia Saudita nos dissesse, vamo-nos meter na guerra da Irlanda porque vamos separar os protestantes dos católicos."

João Lisboa said...

1) Ok, o Freud é sempre mal-vindo a qualquer conversa :-)

2) "há uma figura contemporânea e mortífera da revolta (uma revolta que pode ter apenas a ver com um conflito pessoal) e que, em vez de uma radicalização do Islamismo, estamos antes confrontados com a islamização da revolta radical, uma estranha situação em que o Islamismo se torna uma maneira de exprimir uma recusa do mundo e até um ódio de si".

Eu referia-me aos atentados na Europa. Aqui, com a possível excepção do Bataclan, tem tudo a enorme aparência de fulanos, tudo menos profissional e islamicamente militantes, a quem, por diversos motivos, saltou a tampa e, embrulharam a coisa em "revolta muçulmana". Como o poderiam ter feito, há umas décadas, com molho trotskista, maoista ou guevarista. Só que, como ensinavam os "maîtres à penser" de então, os actuais padecem de "espontaneísmo e individualismo pequeno-burguês anti-partido". :-)

Até o discurso inicial das bófias - "pessoal altamente treinado, com elevada preparação militar e sofisticado treino de armas e explosivos" - mudou para o dos "lobos solitários". Pudera... com os gajos do Charlie Hebdo a irem bater à porta errada e a esquecerem-se dos documentos de identificação no carro...

Ana Cristina Leonardo said...

João, mas porque raio os atentados mais mortíferos foram praticados por tipos ligados à propaganda do ISIS ou ao Islão? Se a questão se resume, mais ou menos, a tipos a quem saltou a tampa, porque raio na Europa só salta a tampa (com excepção até agora do norueguês) a gente que tem ligações à comunidade islâmica? Não há cristãos malucos? Ateus doidos? O terrorismo old school tinha alvos específicos, por vezes, muitas vezes, com "danos colaterais". O actual é dirigido a toda a gente que não professe o Islão autêntico: em Nice, a primeira vítima foi uma mãe de família muçulmana que tapava os cabelos. E o facto de começarem a aparecer "lobos solitários" não quer dizer que não tenham tido contacto com a propaganda salafita, aliás faz parte da sua propaganda apelar a que qq bom muçulmano pegue no que tiver à mão e desate a matar tudo o que lhe aparecer à frente, nem que seja à catanada (como fez o puto afegão na Alemanha). Chamar a isto islamização da revolta" é confundir revolta com delírio religioso e menosprezar os objectivos políticos e religiosos de uns tipos realmente perigosos que têm todo o dinheiro do mundo (no caso, basta-lhes o dinheiro da Arábia Saudita) para nos continuarem a chatear durante muito tempo, enquanto a malta despeja umas bombas na Síria e nos territórios do ISIS matando 50 ou 100 civis inocentes por semana.

João Lisboa said...

"João, mas porque raio os atentados mais mortíferos foram praticados por tipos ligados à propaganda do ISIS ou ao Islão?"

Quais? (na Europa, neste último ano e meio)

"porque raio na Europa só salta a tampa (com excepção até agora do norueguês) a gente que tem ligações à comunidade islâmica?"

Aparentemente, só os tipos do Bataclan teriam ligações à comunidade islâmica. E, mesmo assim, parece que estavam longe de ser muçulmanos "exemplares".

"Não há cristãos malucos? Ateus doidos?"

O cristianismo, na Europa, deixou de ser identitário (mas olha que o Abominável Homem das Neves, se, um dia, falha a medicação, não sei, não...) Mas o norueguês é um bom exemplo, E há mais aqui: http://lishbuna.blogspot.pt/2013/07/blog-post_17.html (o norte da Europa é perigoso)

Os ateus, como se sabe, são uns fofinhos.

"o facto de começarem a aparecer "lobos solitários" não quer dizer que não tenham tido contacto com a propaganda salafita"

Claro que terão tido! Mas são os "mao-spontex" contemporâneos: leram umas merdas, aprenderam a fazer umas bombas pela Net (o equivalente contemporâneo do manual do Marighela) e aqui vai disto.

"menosprezar os objectivos políticos e religiosos de uns tipos realmente perigosos"

Tipos esses que sabem perfeitamente que basta estimular à distância a multiplicação de cogumelos explosivos. Quando - como tu e eu - recebem a notícia de que houve merda em Wherever, reivindicam.

Ana Cristina Leonardo said...

Quando - como tu e eu - recebem a notícia de que houve merda em Wherever, reivindicam.

Não, não reivindicam. Estás completamente enganado. À imagem do mafioso italiano do filme dos Coen ("porque isto é uma questão de ética!"), o ISIS até agora nunca mentiu. Aliás, podiam ter reivindicado alguns, que toda a gente achava que tinham sido eles, e não o fizeram.

De resto, o facto de no Ocidente a maioria dos muçulmanos implicados parecer ser de conversão rápida ao islamismo, só reforça o meu ponto: os gajos são hoje mais perigosos, porque menos controláveis. Mas isso não faz deles maluquinhos revoltados nem justifica a ideia da islamização da revolta do Guerreiro; de resto, como bem sabes, os recém-convertidos são os piores. Ou seja, a questão não é religiosa, é político-religiosa.

Eles não têm que ter ligações à comunidade islâmica. Têm que ter contactos com a propaganda do ISIS e até agora todos, excepto um tipo em Bruxelas que era mesmo maluco, a tinham. aliás, no outro dia ouvi um gajo francês que explicava que dado o relativo controlo das forças de segurança sobre os meios de comunicação via Internet os tipos apostarão muito mais agora no contacto pessoal, aí sim, à old school. E agora retiro-me que tenho de passear os bichos. Um abraço.

João Lisboa said...

"os gajos são hoje mais perigosos, porque menos controláveis"

Eu disse primeiro. :-)

"isso não faz deles maluquinhos revoltados nem justifica a ideia da islamização da revolta do Guerreiro"

São tão "maluquinhos revoltados" quanto, digamos, um jovem maoísta/guevarista/trotsquista dos anos 70 o seria. E alguns também punham bombas. Mas, como eram um pouco mais saudavelmente ateus, de um modo geral, pensavam vinte vezes antes de se fazerem explodir. E não o faziam. O tempero religioso é só um suplemento vitamínico.

"Eles não têm que ter ligações à comunidade islâmica. Têm que ter contactos com a propaganda do ISIS"

Também disse primeiro! :-)))))))

"E agora retiro-me que tenho de passear os bichos"

Os meus jazem, falecidos, pela casa.

alexandra g. said...

Estava aqui recostada (ok, com um rio de transpiração correndo pela coluna vertebral abaixo, que esta casa é uma estufa) a adorar tudo & tudo e eis que a Ana vai dar uma volta com os seus bichos e tu ficas a ver os teus, penando, e ninguém tem pena de mim, que estava a adorar tudo & tudo (já tinha dito? :)

Voltem, estão perdoados!!!

____
p.s. - Johnny Be Goode, tens que voltar ao tema com maior frequência, a ver se a Leopardo sai da toca more often :D

João Lisboa said...

E, entretanto, mais outro....

alexandra g. said...

Falas do calor, além do desprazer com o fim da troca de ideias?
Podias levar as lontr, er, os felpudos lindos à Estufa Fria, à foz, eu sei lá :)

João Lisboa said...

Não, falo disto https://www.publico.pt/mundo/noticia/operacao-policial-em-munique-junto-a-centro-comercial-onde-foram-disparados-tiros-1739148

alexandra g. said...

Essa já tinha lido...e muitas estarão para acontecer, disto, creio que ninguém duvida.

Anonymous said...

Isto é tudo maluquice.
O resto é adolescência.

João Lisboa said...

Nada como uma análise profunda.

Anonymous said...

Efectivamente do mais simples, logo profundo.

Um puto de 19 e com vontade de mudar o mundo logo de uma vez.

A esquerda continua D. Quixote.

João Lisboa said...

Claro, claro.

Ana Cristina Leonardo said...

O meu desacordo com o Guerreiro está no que ele chama "islamização da revolta". Sem querer parecer pretensiosa, acho que a tua concordância com ele se ficou pelo "anti-humanismo" e o resto passou-te ao lado. E o resto é o essencial da crónica. Para concluir: para explicações essencialistas de assuntos complexos, assim como assim prefiro a luta de classes ao "inconsciente terrorista".