19 February 2014

UMA GARRAFA DE 50 DÓLARES


Com a profundidade de campo que trinta e tal anos de conhecimento do nicho ecológico ajudam a adquirir, Suzanne Vega, em recente entrevista à “Rolling Stone”, abençoa Laura Marling, mas encara a popularidade da nova encarnação da coisa folk de modo convenientemente distanciado: “É o costume. Os folk revivals vão e vêm, por isso, suponho que devia estar na altura de acontecer mais um”. Olhando para trás, porém, não resiste a comentar que a atmosfera dos clubes do Village, no tempo em que os frequentava, tinha muito pouco a ver com as tonalidades lúgubres com que surgem em Inside Llewyn Davis, dos Coen, e que o velho amigo Dave Van Ronk (inspiração para a personagem principal desse filme) se assemelhava pouco ou nada ao seu "ersatz" ficcional. O que mudou drasticamente foi o estado de saúde da indústria discográfica e a relação de Suzanne com ela. 



Aquando da assinatura do primeiro contrato com a A & M, em 1983, nos jantares de trabalho, recorda, “bebia-se vinho a 350 dólares por garrafa”; agora, depois de ter mudado de editora várias vezes e de, aterrorizada com a crise de 2008, ter gravado e auto-editado os quatro volumes da série Close Up nos quais revê reportório anterior (“De repente, pensei que, sem contrato com uma editora, poderia nunca mais ter trabalho. Muitos dos meus álbuns estão descatalogados. Um escritor não pode voltar a escrever os seus livros mas eu posso cantar de novo as minhas canções como forma de realizar dinheiro para o próximo projecto”), precisou de sete anos, para publicar o sucessor de Beauty & Crime, Tales From The Realm Of The Queen Of Pentacles. E podemos abrir uma garrafa, vá lá, de 50 dólares, porque a melhor Suzanne Vega – a que articula o idioma folk com a experimentação pop que ensaiava em 99.9F° – está aqui intacta: "Don’t Uncork What You Can’t Contain" sampla as cordas “arábicas” de 50 Cent, em "Candy Shop", para recontar o mito de Pandora, "I Never Wear White" (“I never wear white, white is for virgins (...) my color is black for the crone and the bastard”) saca um riff de pôr Keith Richards verde de inveja, "Laying On Of Hands" poderia ser de Cohen (“Mother Theresa understood the laying on of hands, what I often wonder is how she kept from hearing love’s demands”), "Jacob And The Angel" descola sobre tricô rítmico de palmas e baixo e as restantes seis voam sempre muito mais alto que a indústria que a ignorou.

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