DULCE ET DECORUM
Em Hitch-22, Christopher Hitchens conta
como, quando universitário em Oxford, a decisão de se dedicar à escrita só foi
verdadeiramente incendiada no momento em que descobriu o seu “padrão-ouro”, ao
“embater contra o recife” da poesia de Wilfred Owen. Mais exactamente, o
devastador "Dulce Et Decorum Est", imprecação anti-militarista contra a
sanguinária selvajaria imperialista da Primeira Grande Guerra, espécie de
versão "gore" do "Dormeur du Val", de
Rimbaud. Não seria essa a última vez que o verso retirado das Odes, de
Horácio (“Dulce et decorum est pro patria
mori” – “é doce e honroso morrer pela pátria”), surgiria – ácido e
envenenado ou ironicamente brandido – como estandarte anti-guerra: ninguém
conseguirá uma noite de sono tranquilo depois de o ver projectado no genérico
final do intolerável pesadelo que é Johnny Got His Gun (Dalton Trumbo, 1971)
mas, sem descer a abismos tão profundos e escavando apenas a memória da música
popular, ele enfrenta-nos, sob modelo punk tardio, via-The Damned, em "In Dulce Decorum" (“Where I walk, where I
see the haunting flares where my friends bleed, I see the face of the enemy of
a man or boy who is just like me, and if I could ever sleep again, I know till
the end of time I'd hear their screams of pain, dulce dulce decorum”, 1987), na
voz de Regina Spektor (“After all the children being born into a time of
searching for some glory, and the lie's still repeating through the years,
dulce et decorum est pro patria mori”, em "Dulce Et Decorum Est Pro Patria
Mori", nunca editada em disco), ou, com “mori” pronunciado como “morai” para
rimar problematicamente com “tonight”, na "Drinking Song" dos Divine Comedy (“We
live in an age when no man need bother, except on the stage, with dulce et decorum est pro patria mori,
and definitely not tonight”, de Promenade). O que não impediu que a “old
lie”, como Owen a designava, continuasse a ser o lema de diversos monumentos e instituições
militares (nomeadamente da Academia Militar portuguesa).
Não sendo propriamente o género de
cometimento que esperaríamos de Ian McCulloch, Pro Patria Mori é agora também
o título de um dos volumes que constituem o duplo Holy Ghosts e,
simultaneamente, de uma das canções – épica, insistente, amargamente quase weilliana
– que tanto figura nesse como no outro que regista um concerto com secção de
cordas na Union Chapel de Londres. Se a atmosfera deste remete para os
empolgamentos orquestrais de Ocean Rain alargados a 15 temas do reportório
clássico dos Echo & The Bunnymen e algum de McCulloch a solo que os acolhem
sem quaisquer sintomas de rejeição (a música dos Bunnymen, mesmo nos momentos
mais rasgadamente eléctricos de Porcupine, teve sempre implícito um desejo de
grandiloquência), Pro Patria Mori, quarto álbum em nome individual, só num ou
noutro ponto deixa acreditar que, algum dia, a glória sonora dos Bunnymen
iniciais possa vir a ser recuperada apenas com uma das peças em actividade. Mas a genuflexão naïve de "Me And David Bowie" (“thanks
for all you showed me, how to smoke a cigarette better than anyone, how to wear
my overcoat so cool that I could freeze the sun”) tem muita piada.
1 comment:
O título do Diário de Notícias de hoje, para as pessoas mal intencionadas, poderia ter sentido críptico, falar-se de ratos e coelhos a destruir riqueza parece história nacional há 40 anos, e mais clara nestes dois últimos. E sem ironia alguma, não sei o que a palavra significa, nem alguma vez fui irónico na minha vida, não se coaduna com os 900 anos de história, grave, pesada, de barbas e túnicas e metais pesados. bfds
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