19 July 2013

DULCE ET DECORUM
 

Em Hitch-22, Christopher Hitchens conta como, quando universitário em Oxford, a decisão de se dedicar à escrita só foi verdadeiramente incendiada no momento em que descobriu o seu “padrão-ouro”, ao “embater contra o recife” da poesia de Wilfred Owen. Mais exactamente, o devastador "Dulce Et Decorum Est", imprecação anti-militarista contra a sanguinária selvajaria imperialista da Primeira Grande Guerra, espécie de versão "gore" do "Dormeur du Val", de Rimbaud. Não seria essa a última vez que o verso retirado das Odes, de Horácio (“Dulce et decorum est pro patria mori” – “é doce e honroso morrer pela pátria”), surgiria – ácido e envenenado ou ironicamente brandido – como estandarte anti-guerra: ninguém conseguirá uma noite de sono tranquilo depois de o ver projectado no genérico final do intolerável pesadelo que é Johnny Got His Gun (Dalton Trumbo, 1971) mas, sem descer a abismos tão profundos e escavando apenas a memória da música popular, ele enfrenta-nos, sob modelo punk tardio, via-The Damned,  em "In Dulce Decorum" (“Where I walk, where I see the haunting flares where my friends bleed, I see the face of the enemy of a man or boy who is just like me, and if I could ever sleep again, I know till the end of time I'd hear their screams of pain, dulce dulce decorum”, 1987), na voz de Regina Spektor (“After all the children being born into a time of searching for some glory, and the lie's still repeating through the years, dulce et decorum est pro patria mori”, em "Dulce Et Decorum Est Pro Patria Mori", nunca editada em disco), ou, com “mori” pronunciado como “morai” para rimar problematicamente com “tonight”, na "Drinking Song" dos Divine Comedy (“We live in an age when no man need bother, except on the stage, with dulce et decorum est pro patria mori, and definitely not tonight”, de Promenade). O que não impediu que a “old lie”, como Owen a designava, continuasse a ser o lema de diversos monumentos e instituições militares (nomeadamente da Academia Militar portuguesa).


Não sendo propriamente o género de cometimento que esperaríamos de Ian McCulloch, Pro Patria Mori é agora também o título de um dos volumes que constituem o duplo Holy Ghosts e, simultaneamente, de uma das canções – épica, insistente, amargamente quase weilliana – que tanto figura nesse como no outro que regista um concerto com secção de cordas na Union Chapel de Londres. Se a atmosfera deste remete para os empolgamentos orquestrais de Ocean Rain alargados a 15 temas do reportório clássico dos Echo & The Bunnymen e algum de McCulloch a solo que os acolhem sem quaisquer sintomas de rejeição (a música dos Bunnymen, mesmo nos momentos mais rasgadamente eléctricos de Porcupine, teve sempre implícito um desejo de grandiloquência), Pro Patria Mori, quarto álbum em nome individual, só num ou noutro ponto deixa acreditar que, algum dia, a glória sonora dos Bunnymen iniciais possa vir a ser recuperada apenas com uma das peças em actividade. Mas a genuflexão naïve de "Me And David Bowie" (“thanks for all you showed me, how to smoke a cigarette better than anyone, how to wear my overcoat so cool that I could freeze the sun”) tem muita piada.

1 comment:

Táxi Pluvioso said...

O título do Diário de Notícias de hoje, para as pessoas mal intencionadas, poderia ter sentido críptico, falar-se de ratos e coelhos a destruir riqueza parece história nacional há 40 anos, e mais clara nestes dois últimos. E sem ironia alguma, não sei o que a palavra significa, nem alguma vez fui irónico na minha vida, não se coaduna com os 900 anos de história, grave, pesada, de barbas e túnicas e metais pesados. bfds