A RESPOSTA É SIM
Se, como sugere a mitologia grega, a origem e a natureza da música devem ser associados a dois instrumentos (o aulos e a lira) e a dois deuses (Diónisos e Apolo) em torno dos quais se definiriam, para sempre características essenciais – a exaltação, a tragédia e o drama num, a contemplação, o rigor, a harmonia no outro –, que ambas as divindades derramem generosamente os seus favores sobre “cagin”, utilizador do YouTube: supostamente desde há dois anos (mas sendo o YouTube o animal esquivo que é, nunca pode ter-se a certeza), ele foi lá colocando, um por um, os seis episódios das conferências de Harvard, realizadas por Leonard Bernstein em 1973, subordinadas à designação The Unanswered Question, mais de 11 horas dedicadas a procurar responder a interrogações como “de onde vem e para onde vai a música?”. Inicialmente publicadas em vinil, pela CBS (1974), e em livro, pela Harvard University Press (1976), mesmo após o seu aparecimento em DVD, descobri-lo disponível nas lojas físicas e virtuais deste mundo sem bater regularmente com a testa no aviso “fora de stock”, não é a missão mais fácil a que poderíamos entregar-nos.
É por isso que, quem não se deixar intimidar pela aparente dificuldade de lidar com terminologia como tónicas, dominantes, séries harmónicas, tonalismo ou serialismo – estão lá todos e muitos mais mas, daquela forma só acessível aos grandes professores, Bernstein, mesmo quando não torna a totalidade dos conceitos evidente, deixa passar a ideia tranquilizadora de que o essencial foi apreendido – mal acabar de ler esta crónica, deverá precipitar-se para o YouTube e, "by all means necessary", assegurar-se que algures na memória do seu electrodoméstico preferido ligado à Net, as "six talks" ficam a salvo e prontas a ser longamente digeridas. Da busca, por via chomskiana, de uma competência inata comum para a linguagem e a música, Bernstein parte da fonologia para a semântica (“as delícias e os perigos da ambiguidade” é um dos grandes momentos), daqui para a morte e ressurreição do tonalismo no século XX e, no último capítulo, para a discussão, naturalmente polémica, da condição de beco-sem-saída estético do dodecafonismo (“Será que essa ambiguidade é apenas demasiado grande para ser entendida pelos nossos ouvidos humanos, ouvidos que estão, afinal, sintonizados com as nossas predisposições inatas, a despeito de todos os condicionamentos? Teremos finalmente tropeçado numa ambiguidade incapaz de produzir resultados estéticos positivos? Poderá conceber-se a existência de uma ambiguidade negativa?”). Antes, detivera-se sobre a peça de Charles Ives, de 1908, que dá o título às conferências – exemplo significativo, para ele, da crise da música tonal – e, após anunciar, profeticamente, a emergência de “um novo e magnífico ecletismo”, conclui declarando: “Acredito que ‘The Unanswered Question’ tem uma resposta. Não estou já muito certo de qual era a pergunta mas sei que a resposta é ‘sim’”. Podem começar pela primeira postura de “cagin” e vão por aí fora. Hoje ainda está lá. Amanhã pode já não estar.
É por isso que, quem não se deixar intimidar pela aparente dificuldade de lidar com terminologia como tónicas, dominantes, séries harmónicas, tonalismo ou serialismo – estão lá todos e muitos mais mas, daquela forma só acessível aos grandes professores, Bernstein, mesmo quando não torna a totalidade dos conceitos evidente, deixa passar a ideia tranquilizadora de que o essencial foi apreendido – mal acabar de ler esta crónica, deverá precipitar-se para o YouTube e, "by all means necessary", assegurar-se que algures na memória do seu electrodoméstico preferido ligado à Net, as "six talks" ficam a salvo e prontas a ser longamente digeridas. Da busca, por via chomskiana, de uma competência inata comum para a linguagem e a música, Bernstein parte da fonologia para a semântica (“as delícias e os perigos da ambiguidade” é um dos grandes momentos), daqui para a morte e ressurreição do tonalismo no século XX e, no último capítulo, para a discussão, naturalmente polémica, da condição de beco-sem-saída estético do dodecafonismo (“Será que essa ambiguidade é apenas demasiado grande para ser entendida pelos nossos ouvidos humanos, ouvidos que estão, afinal, sintonizados com as nossas predisposições inatas, a despeito de todos os condicionamentos? Teremos finalmente tropeçado numa ambiguidade incapaz de produzir resultados estéticos positivos? Poderá conceber-se a existência de uma ambiguidade negativa?”). Antes, detivera-se sobre a peça de Charles Ives, de 1908, que dá o título às conferências – exemplo significativo, para ele, da crise da música tonal – e, após anunciar, profeticamente, a emergência de “um novo e magnífico ecletismo”, conclui declarando: “Acredito que ‘The Unanswered Question’ tem uma resposta. Não estou já muito certo de qual era a pergunta mas sei que a resposta é ‘sim’”. Podem começar pela primeira postura de “cagin” e vão por aí fora. Hoje ainda está lá. Amanhã pode já não estar.
5 comments:
“Acredito que ‘The Unanswered Question’ tem uma resposta. Não estou já muito certo de qual era a pergunta mas sei que a resposta é ‘sim’”
Que fala refrescante :)
Se a resposta é sim, na crítica musical tudo é permitido
Se ele cantasse ao gato:
http://www.youtube.com/watch?v=NV2-IZFgH2U
Nada refrescante, buy d'uai:
http://www.sentirlisboa.org/
:(
"Se a resposta é sim, na crítica musical tudo é permitido"
Ena, que perspicácia!
(porventura, faz ideia do que o Bernstein falava?...)
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