AMARGA VITÓRIA
É verdade que, nos EUA, Leonard Cohen nunca fora venerado como na Europa. Songs Of Leonard Cohen (1967) entrara, a custo, no top 100, Songs From A Room (1969) fizera pouco melhor, e Songs Of Love And Hate (1971), New Skin For The Old Ceremony (1974), Death Of A Ladies Man (1977) e Recent Songs (1979) nem a barreira dos 100 mais vendidos haviam conseguido franquear. O facto de este último, mesmo no Reino Unido, se ter ficado pela posição mais modesta até aí (53º) deveria ter feito tocar algumas campainhas. Mas nem isso terá preparado Cohen para o que, quando, em 1984, deu a ouvir as misturas finais do que viria a ser Various Positions, a Walter Yetnikoff, executivo da Columbia, ele lhe diria: “Leonard, we know you’re great, we just don’t know if you’re any good”. Compreenderia, pouco depois, que, num ano em que a editora andava demasiado empenhada na missão de disparar Born In The USA, de Springsteen, para a estratosfera, aquela frase significava, tão só, que o seu álbum não iria ser publicado. Acabaria por sair, no resto do mundo, em Janeiro de 1985, e, na América, através da minúscula Passport, um ano mais tarde. Por todo o lado, venderia miseravelmente.
Uma das canções do disco, "Hallelujah", surgiria, entretanto, em 1991, num álbum de homenagem a Leonard Cohen (I’m Your Fan), organizado pela revista francesa “Les Inrockuptibles”, interpretada por John Cale. Este pedira que Cohen lhe mandasse a totalidade dos versos originais (eram 80, tinham sido necessários cinco anos para Cohen se decidir sobre a versão final – Cale recebeu 15). Seria neste "Hallelujah" que, por acaso, Jeff Buckley (ignorando o autor), tropeçaria e incluiria em Grace (1994), oferecendo uma segunda existência mais alargada à peça de Cohen. A terceira aconteceria (de novo, através da versão-Cale) pela inclusão na banda sonora do primeiro Shrek. A quarta e definitivo ponto de viragem ocorreu logo a seguir ao atentado de 11 de Setembro de 2001, quando, o canal de TV, VH1, escolheu a interpretação de Buckley para ilustração de um memorial pelas vítimas de Nova Iorque que exibia, de hora a hora.
A canção em que o traiçoeiro rei David (reivindicado como antepassado de Cristo para legitimar a condição de Messias) revelava a paixão por Betsabé cujo marido, Urias, enviaria, deliberadamente, para a morte, o uivo de desespero de “maybe there’s a God above, but all I’ve ever learned from love was how to shoot at someone who outdrew you”, o “cold and broken hallelujah”, irremediavelmente treslido, atingira a glória (mais de 300 versões) convertido em cântico de louvor, exaltação e elevação espiritual, pronto-a-usar em situações de catástrofe, filmes, séries de televisão e "tour de force" indispensável em concursos “de talentos” como American Idol ou X-Factor. A amarga vitória de Various Positions chegaria ainda por outro lado: "Dance Me To The End Of Love", inspirada na terrível história dos quintetos de cordas forçados a tocar nos campos de concentração nazis enquanto outros prisioneiros eram encaminhados para as câmaras de gás, transformar-se-ia em número obrigatório de inúmeras e festivas cerimónias de casamento.
4 comments:
Mário João (R&R), Não me lembro o que o João escreveu na altura sobre "Various Positions", se é que escreveu algo (tenho em mente que sim) sei é que é dos discos de Leonard Cohen que mais gosto, mais ouvi,e mais passei, pena é que era para gente de ouvido muito DURO, mais interessados em ouvir o Like a Virgin - Madonna e afins. Sempre tive o bom ou mau hábito de escrever atrás das capas do s LP`s, neste está Classificação ***** !
"Não me lembro o que o João escreveu na altura sobre "Various Positions", se é que escreveu algo (tenho em mente que sim)"
Também me parece que sim... mas ia dar-me uma trabalheira danada descobrir... se der com ele...
(tenho continuado a receber os recortes - obrigado - mas a minha relação com o email é uma lástima :-) )
"Por todo o lado, venderia miseravelmente"
Acho que em Portugal vendeu alguma coisa; lembro-me que o disco esteve semanas a fio no Topdisco onde passou muitas vezes o vídeo do "Dance me ..."
Aliás, confesso, foi onde eu o conheci...:-)
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