01 January 2013

2012 - EM FRENTE, PARA O PASSADO 



Em Regresso Ao Futuro, Marty McFly/Michael J. Fox, a bordo de um DeLorean DMC-12 convertido em máquina de viajar no tempo, recua até Novembro de 1955 e, pelo meio de mil peripécias, alterando o rumo dos acontecimentos e a relação entre diversas personagens, não só procura evitar desastres futuros, como, de caminho, realiza o seu sonho de ser músico de rock’n’roll, criando "Johnny B. Goode" e o "duckwalk" e oferecendo, de bandeja, a Chuck Berry “that new sound you’re looking for”. A 10 de Dezembro último, o Google Doodle do dia (variações gráficas sobre o logo do Google com o objectivo de celebrar efemérides, eventos políticos, desportivos ou culturais, e aniversários de figuras marcantes) evocava Lady Ada Lovelace (1815 – 1852): filha de Lord Byron, e pioneira da computação (sonhava com a construção de um modelo matemático capaz de explicar como os pensamentos se formam no cérebro), a “máquina analítica”, precursora dos computadores, que o seu amigo Charles Babbage inventara e para a qual ela conceberia o primeiro algoritmo destinado a ser processado mecanicamente, fascinava-a a tal ponto que, em 1842, assegurava que ela “poderia compor músicas elaboradas e científicas em qualquer grau de complexidade e extensão". Mas, sensatamente, sublinhava que "a máquina analítica não tem quaisquer pretensões de originar coisa alguma. Pode apenas executar seja o que for que saibamos mandá-la fazer".


Dir-se-ia que, em 2012 (prosseguindo, teimosamente, o rumo por que a década anterior já enveredara), a cultura pop – com as honrosas excepções habituais – optou, em definitivo, por repetir a viagem de Marty Mc Fly. Mas, ao contrário dele, que tirou partido do passo atrás para forçar os acontecimentos a dar vários em frente, preferiu transportar na bagagem o equivalente contemporâneo da máquina do doutor Babbage e, sem “quaisquer pretensões de originar coisa alguma” (ainda que proclamando o oposto), entreteve-se a gerar infindáveis duplos e cópias a partir do catálogo de estilos e géneros passados. Confortavelmente empantufados nas décadas de 60, 70 e 80 (a de 90 já se perfila para entrar em cena também), aos Marty Mc Fly actuais não ocorre sequer a ideia de que é possível alterar as coordenadas em que se alojaram e fazer delas trampolim para um salto no futuro: Ariel Pink, Tame Impala, Lana Del Rey ou Beach House (para referir apenas alguns dos mais proeminentes nomes das numerosas tropas do cerco retromaníaco), conscientemente ou não, o que fizeram foi levar a sério uma entrevista, de 1995, de Brian Eno à “Wired”, na qual ele especulava sobre a hipótese de concepção de sistemas de software capazes de "criar" mais música "original" de Shostakovich, de Brahms, ou dele próprio.

Sharon Van Etten - "Magic Chords"

A consequência foi uma colheita musical em que, fora do perímetro cercado, apenas é possível identificar pouco mais de duas dezenas de gravações sem cheiro a mofo nem enjoativa sensação de "déjà vu" (para além da lista de 10, é importante referir, igualmente, Mr. M, dos Lambchop, Tramp, de Sharon Van Etten, Life Is People, de Bill Fay, Shields, dos Grizzly Bear, Wrecking Ball, de Bruce Springsteen, Who’s Feeling Young Now?, dos Punch Brothers, Long Black Cars, dos Wave Pictures, Tempest, de Bob Dylan, e mais três ou quatro) e, inclusivamente, no que à música portuguesa diz respeito, para além do fado à boleia da UNESCO, espírito verdadeiramente aventureiro só foi possível detectar na improbabilíssima aliança luso-grega de Amélia Muge e Michales Loukovikas, na continuação da saga dos Gaiteiros e na geometria em movimento dos Abztraqt Sir Q. O futuro segue (?) dentro de momentos.

5 comments:

Anonymous said...

Já viu a lista dos eleitos de Simon Reynolds em 2012?
http://blissout.blogspot.pt/2012/12/12-for-12-normal-0-false-false-false-en.html#links
Não me parece que ele esteja arrependido do que disse sobre os Ariel Pink!
Aliás, passando os olhos pelo blissblog, não me admirava nada que o próximo livro dele fosse sobre ... "Rock FM"!
Nuno Gonçalves

Anonymous said...

Gostei da sua lista, JL, embora haja lá coisas que me são indiferentes (não consigo gostar dos Efterklang e de St Vincent / Byrne, por mais que tente). Também gostei da lista do Reynolds (apesar de achar o Ariel Pink execrável). Mas boa, boa foi a lista do suplemento "cultural" de um jornal da concorrência... não me ria assim há muito tempo! Até me vieram as lágrimas aos olhos! :-)

Jorge

João Lisboa said...

"a lista dos eleitos de Simon Reynolds"

Discordar do Simon Reynolds é sempre um prazer. E, desta vez, discordo em quase tudo.

"boa, boa foi a lista do suplemento "cultural" de um jornal da concorrência"

Não estou em concorrência com ninguém.

Anonymous said...

concorrência do jornal para o qual o JL escreve.

João Lisboa said...

Isso são lá coisas "deles".