O TEMPO DOS LOBOS
(sequência daqui)
Elvis Costello - National Ransom
Na capa de National Ransom (depois do anterior Secret, Profane & Sugarcane, outra vez assinada por Tony Millionaire), um prototípico “lobo mau” – fardado de casaca, cartola e polainas como os pérfidos capitalistas da iconografia agit-prop anarquista/comunista da primeira metade do século passado –, de dente arreganhado e olhar fulminante, corre sobre um fundo híbrido de dólar e libra de valor variável, carregando uma mala de onde se soltam notas em chamas. "National Ransom", a faixa de abertura, por entre a estridência eléctrica da guitarra de Marc Ribot e a vertiginosa cavalgada da secção rítmica de Pete Thomas e Dennis Crouch, abre o plano sobre o tumulto em curso “from the real old Macau to the new False Americas, in the liberated territories” onde “unusual suspects shake down various dubious characters” e as confusas silhuetas do naufrágio se apercebem de que “we’re working every day, paying off the national ransom” e reparam que “there’s a wolf at the window with ravening maw”.
Em registo despreocupado de vaudeville, "A Voice In The Dark", última paragem, antecipa o genérico final com o aforismo bem humorado “kings reign beneath umbrellas, hide pennies down in cellars and money pours down and yet not everyone gets soaking wet” enquanto “a wolf begins to howl in tune”. Em tempo de lobos predadores, Costello não dá tréguas e mesmo quando brinca fá-lo muito a sério. Como em Secret, Profane..., predomina uma benévola tonalidade "bluegrass" que, contudo, dá margem para que outros idiomas musicais se intrometam com mútuo benefício. Os sinos dobram, raparigas suspiram em português e Jimmie espera, à chuva, sob o céu que desaba numa nação indiferente. Outro grande Costello.
(2010)
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