03 November 2009

A BUNCH OF DO-RE-MIS
 

 
Prefab Sprout - Let’s Change The World With Music
 
Procure-se uma fotografia actual de Paddy McAloon e é muito natural que imaginemos que a busca de imagens do Google tenha sofrido um ataque malévolo de "hackers": a figura que nos aparece é a de um daqueles profetas hirsutos do "deep-south", psicoticamente concentrados no anúncio iminente do fim dos tempos por entre duas goladas de bourbon. Ou, como alguém também já o descreveu, um vagabundo Amish candidato ao papel principal num biopic sobre Robert Wyatt. Ele próprio, quase-eremita em Durham, com a mulher e as três filhas, contribui, voluntariamente, para o retrato: “Já viram um daqueles documentários acerca do género de pessoas que vivem no meio de pilhas de jornais, pão e bicicletas? Eu sou um bocado assim”


 
No caso dele, os jornais, pão e bicicletas são os álbuns que compôs e gravou mas nunca chegaram a ser publicados – mais de uma dúzia, desde peças conceptuais acerca do herói imaginário "Zorro The Fox", a um “Atomic Hymn Book” ou a outros com títulos como “20th-Century Magic”, “Jeff & Isolde”, “Doomed Poets Vol. 1” ou “Earth: The Story So Far”. “Sinto-me como uma personagem de Edgar Allan Poe, sepultado debaixo das caixas com os meus álbuns”. Let’s Change The World With Music, por exemplo, está gravado há dezassete anos, deveria ter sido editado a seguir a Jordan: The Comeback (1990) e começou por ser uma canção para Barbra Streisand que partia dos versos “Do you think that we can change the world with music?, If a sane man overheard us he'd shout 'Two straitjackets please', because all we've got is music, it's a wonderful ambition, but our only ammunition is a bunch of do-re-mis.." Da canção restou apenas o título do álbum e, do título de outro – “Earth: The Story So Far” –, ficou uma canção. 
 

 
Aos 52 anos, com a visão severamente diminuída, um ouvido gravemente afectado e uma relação persistentemente problemática com as editoras, entregou as velhas maquetes a Calum Malcolm (Blue Nile, It’s Immaterial) e, das mãos dele, surgiu o sucessor de The Gunman and Other Stories (2001): irremediavelmente marcado pela sonoridade da época de origem, sumptuosamente "orquestral", desesperadamente romântico, declaração de paixão pela música (“Music is a princess, I’m just a boy in rags”) e de amarga decepção (“Meet the new Mozart, he's in the bed where commerce, sleeps with art, who can blame him?”). (2009)

4 comments:

Zunga Fosga said...

Pq é q quase toda a crítica é introdução e quase não descreve o disco?

João Lisboa said...

Porque me apeteceu que fosse assim e porque uma crítica não tem - se calhar, nem deve - "descrever" um disco.

Lola said...

Não se descreve um disco. Um disco é ouvido. Quando precisamos escrever um disco, talvez, ele não precise mais ser ouvido.
Esta necessidade de notas...

Anonymous said...

Credo! O homem está irreconhecível.
(A música, não.)