25 February 2008

QUARENTENA LEVANTADA



Morrissey - You Are The Quarry

O divórcio Morrissey/Johnny Marr que pôs fim à história musical dos Smiths foi um daqueles em que, definitivamente, nenhuma das partes em litígio saiu a ganhar. Porque os Smiths, como tantas outras bandas antes e depois deles, eram mais um argumento a insuflar vida no velho cliché de que, muitas vezes, o todo é francamente superior à soma das partes. Sem Morrissey, Marr era pouco mais do que um óptimo guitarrista pop da escola "jangling" e isso, só por si, é sempre pouco; sem Marr, Morrissey ficou nas mãos de roqueiros competentes mas incapazes de oferecer leveza melódica e harmónica às suas canções. Pelo que, foi maior a surpresa de, apesar de tudo, Morrissey, a solo, até ter conseguido publicar dois álbuns francamente bons (Viva Hate, 1988, e Vauxhall And I, 1994) do que constatar que, durante quase toda a década anterior, os primeiros parágrafos do seu epitáfio artístico começaram a ser redigidos na suspeita que o exílio californiano apenas antecipava a entrada para o sarcófago. Ou não. Porque, não sendo de todo o "come back" glorioso que algumas trombetas anunciam, You Are The Quarry levanta, pelo menos temporariamente, a quarentena quanto à extinção do velho Mozzer como "songwriter" com quem se deve contar.



O que, em substância quer dizer que, num total de doze, contém cinco das melhores canções que Morrissey já escreveu ("Irish Blood, English Heart", "I'm Not Sorry", "The World Is Full Of Crashing Bores", "You Know I Couldn't Last" e "First Of The Gang To Die", esta, sem dúvida, a fazer-se ao estatuto de "clássico"), onde ou se furta ou consegue mesmo tirar partido da matriz rock demasiado convencional do quarteto instrumental que o acompanha. Significa também que o peculiar "wit and wisdom" dos textos continua aceso e que voltamos a ter direito a tiradas como "I've been dreaming of a time when the English are sick to death of Labour and Tories and spit upon the name Oliver Cromwell and denounce this royal line that still salute him", "she told me she loved me which means she must be insane", "policewomen, policemen, silly women, taxmen, uniformed whores, educated criminals, work within the law, the world is full of crashing bores and I must be one 'cause no one ever turns to me to say take me in your arms and love me" ou aquela que não lhe há-de fazer muitas amizades entre os colegas "lock-jawed pop stars thicker than pig-shit, nothing to convey, so scared to show intelligence it might smear their lovely career". É menos de metade do álbum e o resto fica claramente abaixo do par (sejamos clementes e façamos por ignorar alguns pavorosos arranjos de sintetizadores). Mas estas cinco são tão verdadeiramente boas que só apetece dizer "Welcome back, Morrissey!".

(2004)

5 comments:

Anonymous said...

Ainda me lembro de picar um amigo meu fã de Smiths: "leste o JL a dizer que o Southpaw Grammar tem entrada directa para a Casa dos Horrores?"

Anonymous said...

Não sei por onde começar. Os seus últimos textos críticos sobre os The Smiths e Joy Division indirectamente pelo filme que não vi aconselhado pelo Miguel Esteves Cardoso que li, voltaram a relê-lo e a escrever-lhe.
Sempre achei que andava perigosamente à procura de literatura séria onde ela é orgulhasamente de cordel. E o mainstream, como sabe, é muito mais perigoso que os seus limites. Apetecia-me, por isso, devolver de forma legal os discos que semanalmente me obrigou a comprar e a pedir-lhe em volta o tempo que me fez perder a efectuar electronicamente e
ilegalmente os download de estranhas bandas que não me apetece recordar-lhe. Mas estes dois preciosos textos deram-me esperança em começar a gostar mais dos discos que critica do que das pérfidas e saudáveis prosas que semanalmente me perseguem e me convidaram a procurar os limites que não queria encontrar.

João Lisboa said...

"Sempre achei que andava perigosamente à procura de literatura séria onde ela é orgulhasamente de cordel"

Eu? Desenvolva, sff.

"Apetecia-me, por isso, devolver de forma legal os discos que semanalmente me obrigou a comprar (...) e os download de estranhas bandas que não me apetece recordar-lhe"

Recorde, vá lá...

"estes dois preciosos textos deram-me esperança em (...)"

Não estou certo se isto é bom ou mau...

Thanx, anyway.

Anonymous said...

«Apetecia-me, por isso, devolver de forma legal os discos que semanalmente me obrigou a comprar»

'tadito do calimero...

Anonymous said...

Peço desculpa pela demora. Estive longamente a pensar se devia.

Os nomes. Delillianamente andam sempre por perto.

São sempre discos que são deliciosamente decompostos por longas palavras, frases curtas e expectativas fundadas. No entanto, o que ouço é o que li mas que não me diz, não direi, nada mas parecem perigosos exercícios de estilo. Os discos. Os textos são-no mas são o que devem ser exercicíos. "Uma coisa em forma de assim".

O que nos aproxima deve-se, permita-me, Revolver e Pet Sounds. O que nos afasta são os mesmos discos. E o que eles encerram em si. Não me atrevo a desenvolver a matéria seria longo. E não me peça. Sou um miúdo.

E, sim, é bom. O seu post(erior)a este dá-me inteira razão.

Cumprimentos.