PÓS-ROCK?
(IV - uma série exumada a partir daqui)
Rachel's/Matmos - Full On Night
A Silver Mt. Zion - He Has Left Us Alone But Shafts Of Light Sometimes Grace The Corner Of Our Rooms
A grande vantagem do conceito e da expressão pós-rock reside no facto de, em rigor, não significando nada (para além de indicar algo indefinido "que vem depois do rock"), poder, à medida dos desejos e intuições de cada catalogador, significar virtualmente tudo. É uma daquelas utilíssimas bengalas de bricolage verbal que nos permitem abarcar um considerável universo musical e que — e isso é tão essencial como o previu o seu inventor, Simon Reynolds —, desde que não sejam levadas demasiadamente a sério, facilitam bastante a vida. E a audição. Digamos, então, que Rachel's, Matmos e A Silver Mt. Zion praticam o pós-rock. Porquê? Pela muito simples razão de que, nem com a maior latitude de espírito, a música a que se dedicam poderia ser classificada como rock. E, não o sendo (nem exactamente jazz, nem propriamente clássica, nem certamente "world", nem precisamente electrónica), só poderá navegar nessa área de fronteiras indefinidas que já se chamou também "new music" ou "avant rock" ou, ou, ou... Essencial mesmo é que qualquer destes dois discos contém excelente matéria sonora (predominantemente instrumental) sofisticada e complexa mas sem nunca cair — e, se o progresso musical existe, essa é uma das enormes conquistas dos anos 80 e 90 — nos portentosos barroquismos que o "progressivo" (esse outro pós-rock "avant la lettre"...) instituiu como tique obrigatório.
Full On Night, nos tempos do vinil poderia ser dividido em lado A e lado B. No primeiro, encontrar-se-ia o tema-título (recuperado do primeiro álbum dos próprios Rachel's), desconstruido e remontado pelos seus autores com a inclusão de outros instrumentos de cordas, orgão e "sampler" e convertido numa pirâmide sonora invertida, em crescendo de complexidade estrutural, assalto de volume e dinâmica avassaladores, passagem quase alquímica do exercício de contraponto maníaco à pura "wall of sound" metálica. No outro, garantem-nos, está a mesma peça, rebaptizada como "The Precise Temperature Of Darkness" e entregue aos cuidados dos Matmos (isto é, o duo M.C. Schmidt e Drew Daniel), "electronic mavericks" de S. Francisco, que, mil passos mais à frente — em ensaio de esventramento radical com delirante utlização das possibilidades da estereofonia —, tratam de tornar inteiramente irreconhecível o que os Rachel's já haviam sabiamente dissimulado.
A Silver Mt. Zion, entretanto, é uma derivação lateral dos canadianos Godspeed You Black Emperor! aqui entregues à confecção de uma música que combina um certo espírito da música "concreta" (gravações de vozes misturadas e "fuzzy", "bruitismos" avulsos) com algum minimalismo e sinfonismo (ambos na sua versão mais severamente espartana) tal como algum Steve Reich e muito mais Gorecki o encaram. Tem, por vezes, uma certa tonalidade épica, outras, a rarefacção sonora aproxima-se do silêncio mas, em qualquer dos casos, é o género de experiência auditiva que apetece repetir, investigar e explorar.
(2000)
30 January 2008
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5 comments:
escreveste simon com "y"
Cubro-me de vergonha, humilhação, vexame e opróbrio. O que ainda me consola é saber que os Byrds também cometiam o mesmo erro.
Corrigido.
Sim e não fiquemos por aqui, Simon says, na lista de bandas de "pos-punk" associadas ao rip ip up and start again, que os go-betweens são uma merda; depois um gajo pega no Liberty Belle, ou noutro que eu agora não sei qual é mas agora tambem não interessa para o caso, e lemos um comentário do dito, no NME ou noutra pasquim qualquer, que os australianos são a melhor coisa que deus pôs no mundo a seguir à faixa número quatro do disco dos buffalo springfield que eu agora tb não sei se é um outro.
Como é explicas o caso, ó grande guru?
"Como é explicas o caso, ó grande guru?"
Provavelmente, terão sido textos escritos em alturas diferentes e ele, muito naturalmente, mudou de opinião. No final de cada texto do Bring The Noise, ele inclui sempre notas e comentários actuais onde, frequentemente, se diverte bastante a gozar com as opiniões e pontos de vista que defendia na altura. A famosa "coerência" também não é uma qualidade que eu muito preze.
Eu adorei o "Rip it..." foi mesmo um, ou o meu livro favorito que li naquele ano (2005?). Esse outro de que falas vi-o na FNAC, mas quando ia mesmo para o levar, desisti. Talvez um dia.
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