11 January 2008

NEM UM ÚNICO SEGUNDO
(em sequência daqui)



Desde Outubro de 2002, James Mangold deveria ter tido consciência que era trabalho em vão realizar um "biopic" em torno da figura de Johnny Cash. Ou que, pelo menos, depois do videoclip de Mark Romanek para "Hurt", não seria ele quem teria unhas para voltar a escalar as alturas do "Man In Black" sem correr o muito sério risco de se estatelar. Nem um dos 136 minutos de Walk The Line vale um só segundo dos quase quatro minutos de "Hurt". A comparação chega a ser cruel: onde num pouco mais há do que uma historieta de amor difícil entre um patético aspirante a rock'n'roller e uma "starlet" country apatetada — com psicanalíticos traumas de infância obrigatórios, moralismo "redneck" e inevitável redenção e fuga aos abismos da perdição —, no outro, basta o cruel contraste das imagens do rosto destroçado e envelhecido do Cash de 2002 (que morreria poucos meses depois) com a implacável montagem do material de arquivo do jovem e vibrante ícone country, sob o olhar atentamente angustiado de June Carter e os "inserts" da muito mal tratada House of Cash Museum, "closed to the public", para, num instante, ficarmos a saber tudo aquilo de que realmente precisamos acerca de Johnny Cash.



As palavras da canção de Trent Reznor (se este nasceu para a escrever para Cash, não duvidemos que Cash nasceu para a cantar como seu epitáfio) dizem o pouco-muito que pudesse faltar: "I hurt myself today to see if I still feel, I focus on the pain, the only thing that's real, the needle tears a hole, the old familiar sting, but I remember everything, what have I become? my sweetest friend, everyone I know goes away in the end, and you could have it all, my empire of dirt, I will let you down, I will make you hurt". No filme de Mangold (e na respectiva banda sonora), Joaquin Phoenix é um pobre corpo, rosto e voz de museu de figuras de cera e Reese Witherspoon nem a verniz das unhas de June Carter aspira. Evitem o filme. Não comprem o disco. (2006)

3 comments:

Anonymous said...

tenho a sensação de já ter lido este artigo, ou parecido, no «expresso». Por acaso, não vi o filme nem comprei o disco. Nunca fui grande fã de Johnny Cash. Quero dizer, gostava q.b., mas fiquei sempre o mesmo após cada audição dos seus discos. Até que fui literalmente esmagado por «hurt»... Talvez seja cruel, mas a minha admiração por Johnny Cash foi crescendo quanto mais a sua morte se aproximava (e gosto muito do «american recordings IV»

João Lisboa said...

"tenho a sensação de já ter lido este artigo, ou parecido, no «expresso»"

Já leu este texto e boa parte dos outros posts deste blog no Expresso. O seu autor - João Lisboa - autorizou-me gentilmente a reproduzi-los aqui.

João Lisboa

Anonymous said...

Ok. Sorry...