10 November 2007

DEFESA PAGÃ DO URSO POR RAZÕES DE CALENDÁRIO - COMO, LOGO A SEGUIR, SE COMPREENDERÁ - INTEIRAMENTE JUSTIFICADAS (I)

"Carlos Magno foi o maior inimigo do urso que a Europa conheceu? O historiador tem o direito de o perguntar, tantos foram os massacres desta fera que tiveram lugar durante o seu reino. Na Germânia, tiveram mesmo um carácter sistemático: por duas vezes, em 773 e em 785, de cada vez após uma série de campanhas vitoriosas contra os Saxões. (...) A bem dizer, os inimigos dos ursos não são tanto Carlos Magno e as suas tropas mas sim os prelados e os clérigos que os rodeiam. Foram eles quem declarou guerra ao mais forte de todos os animais presentes no solo europeu e decidiu o seu extermínio, pelo menos em terras germânicas.

Para isso, existiu uma razão precisa: no fim do século VIII, em todo o Saxe e nas regiões circunvizinhas, o urso é muitas vezes venerado como um verdadeiro deus e é objecto de cultos que podem assumir formas frenéticas e demoníacas, nomeadamente entre os guerreiros. É absolutamente necessário erradicá-los para converter estes povos bárbaros à religião de Cristo. Tarefa difícil, quase impossível, uma vez que estes cultos não são nem recentes nem superficiais. (...) Mais forte que todos as outras feras, ele é o rei da floresta e de todos os animais. Os guerreiros procuram imitá-lo e investir-se da sua força no decurso de rituais particularmente selvagens. Os chefes e os reis, pelo seu lado, fazem dele o seu atributo preferido e tentam apropriar-se dos seus poderes através das armas e dos emblemas. No entanto, a veneração dos germânicos pelo urso não se fica por aí. Aos seus olhos, ele não é apenas um animal invencível nem a encarnação da força bruta: é também um ser à parte, uma criatura intermediária entre o mundo dos animais e o dos homens, e mesmo um antepassado ou um parente do homem. Assim, é rodeado de numerosas crenças e objecto de diversos tabus que têm a ver, nomeadamente com o seu nome.

Além disso, o urso macho tem fama de ser atraído por mulheres jovens e de as desejar carnalmente: frequentemente, procura-as, por vezes, rapta-as, viola-as e dá origem a seres semi-homens, semi-ursos que são sempre guerreiros indomáveis ou mesmo os fundadores de linhagens ilustres. (...) Aos olhos da igreja cristã, tudo isto é absolutamente aterrador. Especialmente, porque esta devoção pela grande fera não se limita unicamente ao mundo germânico. Observa-se igualmente entre os Eslavos e, em menor grau, entre os Celtas. (...) Com efeito, na época carolíngia, em grande parte da Europa não-mediterrânica, o urso aparece ainda como uma figura divina, um deus ancestral, cujo culto reveste diversos aspectos mas permanece solidamente enraízado e impede a conversão dos povos pagãos. Por todo o lado ou quase, dos Alpes ao Báltico, o urso perfila-se como rival de Cristo. Para a igreja, é indispensável declarar-lhe guerra, combatê-lo por todos os meios, fazê-lo descer do seu trono e dos seus altares".

(L'Ours/Histoire d'un Roi Déchu - Michel Pastoureau, La Librairie du XXIème Siècle/Seuil, 2007)

(2007)

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