HERE COME THE PLANES
Laurie Anderson - Live At Town Hall
Exactamente uma semana e um dia depois do atentado ao World Trade Center, Laurie Anderson subia ao palco do Town Hall de Nova Iorque. E, como se de uma revelação se tratasse, de súbito, quase todas as suas composições apareciam sob a arrepiante luz de profecias que, tragicamente, dias antes, se haviam tornado realidade. Nas primeiras palavras que dirige a um público que, naquele momento, ainda vivia a quente o efeito de choque da catástrofe, aproveita para dedicar o concerto "à grande oportunidade que todos temos de verdadeiramente compreender os acontecimentos dos últimos dias". E, depois, por entre a discretíssima e quase invisível pontuação sonora da banda de três elementos que a acompanhava (Skúli Sverrisson, baixo e concertina, Jim Black, bateria e percussão electrónica, Peter Scherer, teclados e samplers), na perfeita enunciação da sua voz começam a desfilar as aterradoras assombrações dos "strange angels" que caem do céu ("Big changes are coming, here they come..."), dos "dark angels" e das ossadas daquele outro achadas no Alabama, os flashes de imagens ("I feel like I am in a burning building...I gotta go", de "Let X=X"), os aforismos ("Freedom is a scary thing, so precious, so easy to lose" que, em "Statue Of Liberty", substituiu o original "Freedom is a scary thing, not many people really want it" — e, contudo, ambas faziam perfeitamente sentido), as serenas imprecações ("And if this is the work of an angry God, I want to look into his angry face", de "Love Among The Sailors"), o calafrio das alusões ("The vampires, the empires, the experts with their skyscraper's depressions" em "Wildebeests"), a irónica parábola de "Animals" acerca da aranha que, de vítima, passou a predadora ("It's one of those odd moments when suddenly everything changes and it's not what you expected and you don't know yet wether it's for better or for worse") ou, por fim, "Oh Superman" com a visão que, instantaneamente, paraliza o tempo numa voz que ameaça "Well, you don't know me, but I know you. And I've got a message to give to you. Here come the planes. They're American planes. Made in America".
A mesma voz que, logo a seguir, assegura que "não haverá chuva nem escuridão que desvie estes mensageiros do cumprimento das tarefas que lhes foram destinadas". Um mês antes, Laurie Anderson havia publicado Life On A String. A vida por um fio. A seguir, a vida imitou a arte. Os terroristas poderão não ser os únicos artistas que restam (como Laurie afirmava em "The Cultural Ambassador") mas, certamente, foram capazes de imprimir uma radical transfiguração semântica a estas 23 canções e transformar um concerto em algo francamente mais importante do que isso. (2002)
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