25 June 2007

CONTER A AVALANCHE


Pelo fim dos anos 80 e início dos 90, era relativamente frequente entrar-se por um ou outro bar de província do centro de Portugal e deparar-se com o anúncio de que, numa dessas noites, Martin Stephenson, dos mui estimáveis Daintees – hoje, praticamente apenas recordados pela canção “Boat To Bolívia” –, com o chapéu que pertenceu a James Cagney invariavelmente na cabeça, lá iria aparecer para tocar as canções que muito bem lhe apetecesse (aparentemente e, de acordo com o calendário de concertos afixado na sua página da Net, continua a proceder da mesma forma, agora, em “private parties” e lugares ignotos da Escócia...). Após vários e consecutivos concertos de estádio dos Rolling Stones em Portugal, apetece dizer que eles já só seriam verdadeiramente notícia se, sem se fazer notar demasiado, decidissem apresentar-se no coreto de um qualquer arraial trasmontano para animar as festas de Agosto locais.


Embora um bocadinho caricaturalmente – por entre os festivais da já instituída “temporada de Verão” (mais de duas dezenas), programações das salas de espectáculo “tradicionais” e iniciativas públicas e privadas crescentemente descentralizadas (de Norte a Sul), de pop/rock, folk, jazz, clássica, margens experimentais ou “world music” –, deve dizer-se que já estivemos bastante mais longe de tal vir a acontecer. E nem há-de ser demasiado arriscado prever que, mais tarde ou mais cedo (provavelmente, muito mais cedo do que tarde), isso tenderá a ser um facto razoavelmente banal. Como os textos de Jorge Lima Alves acerca do MIDEM de Cannes de Janeiro passado (então publicados no “Actual” do Expresso) deixaram absolutamente explícito, o estado de demencial desnorte dos responsáveis da indústria discográfica – dos grandes tubarões aos pequenos peixes do charco – perante o imparável avanço da guerrilha global dos “downloads” ilegais (atenção, o assalto a sério sobre a indústria cinematográfica virá já seguir!) permitiu ouvir, das bocas menos previsíveis, proclamações acerca da inevitável gratuitidade futura da música gravada, da gradual extinção do CD como suporte físico ou até da curta esperança de vida do que nos habituámos a conhecer como “direitos de autor”. Naturalmente, isto continua a ser acompanhado por antigos tiques difíceis de erradicar como o grotesco “sigilo” em relação a discos que meio mundo há muito descarregou da Internet ou a habitual válvula de escape de fazer rolar cabeças (caso mais recente: David Ferreira, na EMI) que, a menos que novas políticas para o novo mundo em que já vivemos sejam accionadas, serão substituídas por outras igualmente destinadas ao cadafalso. Daí que uma das soluções de recurso mais imediatamente à mão seja procurar recuperar pelo lado dos espectáculos ao vivo o que, nas vendas de rodelas de plástico, dia a dia, vertiginosamente encolhe.


Teremos, então, cada vez mais concertos, sempre novos festivais (o clima é amigo e não há grande motivo para que eles tenham de se circunscrever ao Verão), a descentralização ampliar-se-à como nunca antes e, porque a ideia de música gravada tendencialmente gratuita permitirá legitimá-lo, preparemo-nos para que os preços dos bilhetes passem a incluir uma “taxa de compensação” oculta que procurará concretizar o milagre contabilístico de equilibrar as contas. Nada disto, evidentemente, será simples e linear – contemos ainda com escaramuças e manobras desesperadas de intimidação várias – e outras tentativas de conter a avalanche emergirão. Mas, de um modo geral, dos regressos da tumba de todos os Police, Jesus & Mary Chain, Mutantes e Smashing Pumpkins deste mundo aos novíssimos avidamente aguardados (Arcade Fire, The National, Artic Monkeys, Architecture In Helsinki) ou aos sempre bem-vindos “clássicos” (Laurie Anderson, Aimee Mann, Sonic Youth e Elvis Costello – este no Lake Resort de Vilamoura... sim, aprendamos a não o estranhar), viveremos inundados de música como nunca antes. E, quem sabe se, um dia, não veremos uns Stones octogenários a partilhar um palco com a tuna de Carvalhais?... (2007)

6 comments:

Anonymous said...

«Tozé Brito conhece a indústria musical como ninguém. Músico, compositor, autor, produtor e presidente da Universal Portugal, Tozé Brito revelou ao Correio Êxito que a pirataria e o donwload ilegal estão por trás do crime organizado e do terrorismo. E deu como exemplo os atentados do 11 de Março de 2004, em Madrid.»

«No suplemento "Êxito" do jornal Correio da Manhã do passado dia 9, ácerca das dificuldades pelas quais passa actualmente a indústria fonográfica devido à pirataria digital, e que são sobejamente conhecidas, concedeu-se uma entrevista a Tozé Brito, Presidente da Universal Portugal e vice-presidente da Associação Fonográfica Portuguesa. A dada altura da entrevista, e após se terem apontado várias soluções para se ultrapassar o problema, o Sr. Tozé Brito avança com esta solução de último recurso:

"– Bom! Está a ser estudada a nível internacional, uma medida que só será usada em último caso e que necessitará sempre de aval judicial que é colocar propositadamente na ‘net’ canções com vírus que rebentem com o disco rígido dos computadores."»

Ana Cristina Leonardo said...

e siga a banda!

João Lisboa said...

É o desespero. Mas, no MIDEM, a conversa parece ter sido um bocadinho diferente...

Pedro said...

duas ou três notas sobre isto.

já há algum tempo (os tempos agora correm depressa por isso estou a falar de alguns meses, não de muitos anos) se começou a desenhar essa substituição progressiva dos lucros da música gravada pelos concertos, esta avalanche é realmente resultado do desespero de uma indústria completamente enlouquecida.

neste momento, segundo julgo saber e corrija-me alguém mais bem informado, os cachets dos artistas que vêm a Portugal já incluem essa "taxa de compensação". como em Portugal se vendem muito poucos discos não é rentável para os artistas virem para os promover... e para além disso como os produtores dos espectáculos sabem à partida a dificuldade que vão ter para fazer uma casa cheia carregam no preço dos bilhetes. Concertos a meio gás mas que ficam sempre pagos que ninguém anda nisto pelo supremo amor à arte.

quanto ao Martin Stephenson ainda o apanhei há 3 ou 4 anos no Cais do Sodré, sem chapéu e sem fãs (tirando eu e mais uma meia dúzia de maduros), mas numa noite verdadeiramente memorável.

João Lisboa said...

Pedro, viste um célebre concerto dele, completamente alucinado, no CCB, em que ele chamou para o palco o seu "amigo Vicente" e lá ficaram os dois, até ao fim, de garrafa de tinto na mão? Também muito, muito memorável...

Pedro said...

:(

nope, nunca o tinha visto, mas foi mais um que retirei da minha lista, já faltam menos :D

a sobriedade toca-lhe fundo, o tipo (já) não bebe mas deseja todo o alcool que lhe passa à frente

às tantas o gajo volta cá um dia destes, vou verificar