17 June 2007

68, MORADA IMAGINÁRIA



A atmosfera de duas cidades – Oslo e Berlim – transportada para o interior de duas prodigiosas caixas de música cujo mecanismo é accionado por uma novíssima autora-compositora norueguesa. Isto é, Little Things e Rykestrasse 68, primeiro e segundo volumes da já preciosa obra de Hanne Hukkelberg, lugar de escuta da relojoaria interior do mundo por um ouvido privilegiado.

Pelo que pude descobrir, começou a tocar e cantar por volta dos três anos...
É verdade. Tanto a minha mãe como o meu pai são músicos, por isso, viver mergulhada em música foi sempre uma coisa muito natural. A minha irmã, o meu irmão e eu íamos para todo o lado com os pais e já tocávamos também. Mais tarde, na escola, fiz parte de bandas de rock, de metal e jazz e acabei por me inscrever numa academia de música onde estudei durante quatro anos.

Rock, metal, jazz... eram-lhe indiferentes os estilos?
Os meus pais eram músicos clássicos mas nós, evidentemente, crescemos a ouvir imensa pop. A banda de metal foi um acaso. Mas o rock, a pop e o jazz tinham tudo a ver com aquilo que, na escola, me influenciava. Como me apercebi que nunca seria uma cantora clássica, o jazz era a única alternativa que tínhamos na escola.



No entanto, nos seus dois álbuns, utiliza uma série de “found sounds” (máquinas de escrever, ruídos de electrodomésticos ou de aros de rodas de bicicletas, copos de vidro friccionados...) que derivam mais dos procedimentos da “musique concrète”. O seu currículo académico também passou por aí?
Sim e não. Tive dois excelentes professores que não só me ajudaram a saber lidar com os diversos materiais sonoros como a descobrir a minha identidade musical. Por isso, quando comecei a trabalhar com o meu produtor, Kåre Vestrheim, integrar todos esses “found sounds” no corpo das canções pareceu-me uma coisa quase óbvia.

Os seus dois álbuns parecem muito enraizados nas atmosferas de duas cidades específicas: Little Things, em Oslo, e Rykestrasse 68, em Berlim. Concorda?
Sim, é verdade. Ainda que, no caso de Little Things, ele não tenha sido deliberadamente concebido dessa forma. Já, em Rykestrasse 68, esse foi mesmo um ponto de partida. Concorri a uma bolsa do Estado norueguês para viver durante uma temporada em Berlim e, uma vez que tenho lá vários amigos – não gosto especialmente de viver sozinha – e já lá tinha ido diversas vezes, era uma cidade perfeita para poder explorar melhor e funcionar como cenário para este disco.

Sente que, se tivesse sido concebido num outro qualquer lugar, este seria um disco diferente?
Sem dúvida. É um álbum realmente dedicado a Berlim e que reflecte muita da energia que a cidade me ofereceu e que eu absorvi.

É verdade que não existe o número 68, na Rykestrasse?
(risos) É verdade, é... eu nem sequer vivia na Rykestrasse. A minha casa era na Danzigerstrasse (que é uma artéria pouco interessante e com imenso trânsito) mas, como a janela dava para a Rykestrasse que é muito mais bonita, decidi que todos os sons de rua da cidade que iria gravar seriam os dali. A numeração da rua, de facto, só vai até ao número 67 mas resolvi que o disco deveria ter a minha morada imaginária, no 68.



Pela forma como, na sua música, integra tanto os inúmeros “found sounds” como uma imensa diversidade de timbres instrumentais, ela acaba por ser bastante visual, quase cinematográfica... está de acordo?
Quando estou a compor, penso de uma forma muito visual, crio imagens e filmes na minha cabeça acerca das músicas que vou criar e da direcção em que as vou conduzir. Às vezes, penso que deveria compor para filmes... o que também já fiz mas não é, de todo, a minha actividade principal.

O videoclip de “Cheater’s Armoury”, do ponto de vista visual, é praticamente uma narrativa autónoma e paralela em relação à canção...
Claro. A linguagem convencional dos videoclips não me interessa muito. Nesse caso, a música conta uma história, o texto conta outra e o vídeo ainda uma terceira. Que, todas reunidas, dão origem a mais outra, inteiramente diferente.

Ainda em relação à sua utilização dos “found sounds”: regista-os de modo mais ou menos aleatório e só depois decide quais escolher para cada canção ou recolhe-os já a pensar numa ou noutra canção específica?
Hmmm... é uma pergunta difícil porque não tenho uma forma definitiva de proceder nem gostaria de a ter. Prefiro manter os sentidos despertos para me ir apercebendo das várias formas como isso pode acontecer. É isso que, para mim, conserva a magia do que é fazer música. Por vezes, posso ter um objecto qualquer na mão, um copo, e aperceber-me de que está ali uma fonte sonora potencialmente interessante...



Um exemplo concreto: enquanto falamos, os meus três gatos estão a observar-me muito atentamente através do vidro da porta da sala. Foi uma situação semelhante que a levou a incluir o ronronar de gatos numa canção deste álbum?
(risos) Fui criada com gatos e adoro-os. Quando era miúda, se não conseguia dormir, ia buscar um gato, encostava o meu ouvido ao focinho dele para o ouvir ronronar e rapidamente adormecia. Recordei-me dessa sensação tão intensa e confortável e pedi ao meu pai para pegar no gato dele ao colo e fazer-lhe festas enquanto eu, de microfone na mão, o gravava durante uns bons minutos. Essa foi realmente planeada. Ainda não sabia bem em que canção utilizaria a gravação mas tinha mesmo de o fazer.

Em palco, irá procurar reproduzir a complexidade sonora dos álbuns ou optará por outra solução?
Nuns casos, serão idênticas às gravações, noutros, não. Têm-me dito que escutar os álbuns e assistir aos meus concertos são duas coisas inteiramente diferentes. Como não podemos trazer todos os instrumentos que utilizamos no álbum, concentrar-nos-emos apenas em alguns deles e na voz. (2007)

2 comments:

menina alice said...

Olha a data de coisas que estou a gostar disto... Já bem umas duas, tenho de pesquisar mais. E não conhecia sem te ter lido no outro dia.

João Lisboa said...

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