06 May 2007

VODKA, CHAMPANHE, BEAUJOLAIS E WHISKY DE MALTE



Elvis Costello - The Right Spectacle/The Very Best Of Elvis Costello: The Videos

Há diversas formas (e todas elas recompensadoras) de saborear esta colecção de videoclips de Elvis Costello: 1) na condição irremediável de puro fã radical, isto é, marcha tudo; 2) como muito interessante "case study" de uma situação pouco vulgar no universo dos clips: um conjunto de 27 magníficas canções, de um modo geral, servidas por telediscos aparentemente realizados, nas horas de folga, por um estagiário amblíope de uma estação de televisão local de Coventry; 3) a mais divertida: seleccionar a opção das "legendas" e ver cada filme acompanhado dos comentários do próprio Costello. Na verdade, as três hipóteses não são incompatíveis. Porque, ao "verdadeiro fã", não há-de ser impossível reconhecer como (e, no final, depois de nos termos regalados com os ditos de espírito e sabedoria de Elvis, continuamos na dúvida se tudo foi concebido deliberadamente às três punkadas ou se o orçamento era apenas curto...) ali está uma muito peculiar inversão da lógica instituída do videoclip que, como bem sabemos, consiste, na maioria dos casos, em embrulhar canções da treta em papel de fantasia vistoso.



Em The Right Spectacle, à excepção de meia dúzia de exemplos ("Accidents Will Happen" — uma animação de "computer graphics" em registo pop-art —, "New Lace Sleeves", "I Wanna Be Loved", "Don't Let Me Be Misunderstood", "Veronica" e "So Like Candy"), tudo funciona ao contrário: é às canções que compete sobreviver aos maus tratos que os clips lhes inflingem. O que, ou não se tratasse de Costello, fazem com bravura. A redenção do DVD enquanto "longa metragem em capítulos" surge, porém, através da terceira possibilidade. Mal começámos a ver as primeiras imagens de "(I Don't Want To Go To) Chelsea", Elvis Costello informa-nos que a ideia que presidiu à concepção dos videos iniciais foi "encharcar a banda em vodka e deixá-la à solta numa sala pintada de branco". O clip não o deixa mentir.



Em "I Can't Stand Up" (filmado por atacado com mais outros dois clips no sul de França), ele reforça a ideia explicando que "o espírito bastante animado deste video tem a ver com o facto de o 'Beaujolais nouveau' ter acabado de ser colocado no mercado e de os franceses, que são muito gentis, o terem oferecido todo aos ingleses". Não temos como duvidar. Nem disso nem do que nos conta acerca das circunstâncias que deram origem a "Clubland": "Há aqui uma pequena tentativa de contar uma história. Não estou muito certo de qual seria mas tem a ver com miúdas a emborcar champanhe, clubes noturnos e respectivos seguranças.Foi filmado na ilha de Jersey e as senhoras bastante pouco vestidas que aparecem eram as filhas do magistrado local".



Já devidamente sintonizados com o conceito genérico da coisa, o momento culminante chegará, no entanto, com a revelação do grande segredo: quem são as duas "spooky girls" que fazem os coros de "Good Year For The Roses"? Ele, finalmente, confessa tudo: "O hotel de Aberdeen em que filmámos não nos autorizou a colocar um piano na sala o que deixou o Steve Nieve sem instrumento para tocar. Pensámos, então, que ele poderia mimar as partes das cordas num violino solitário. O melhor que conseguimos foi telefonar ao professor de música da terra e pedir-lhe que nos emprestasse um. Ele concordou mas enviou-nos também as duas filhas para garantir que nós não dávamos cabo dele".



E (para que o "mood" global não seja quebrado) faz questão de acrescentar: "Os óculos escuros escondem um segredo vergonhoso nos olhos do cantor. Eu tinha passado todo o dia anterior a beber whiskies de malte raros com o reitor de um colégio privado inglês que estava por ali de férias". Como imaginarão, trata-se apenas de quatro excertos de uma edificante e esclarecedora narrativa em 27 partes. À qual, se deverão ainda acrescentar os extras de concertos ao vivo e de diversos espectáculos de televisão. Muito em especial, o do "Mandagsboren", da televisão sueca, no qual podemos escutar não apenas uma interpretação de cortar o fôlego de "Peace In Our Time" como a resposta que dá ao entrevistador idiota de serviço que lhe pergunta se é verdade que ele "gosta muito de jogar com as palavras": "Yeah, I'm rock'n'roll's Scrabble champion". (2006)

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