29 May 2007

EM BUSCA DA TRIBO GLOBAL


Desde há muito que, no mesmo planeta, deixámos de viver num mundo único. De um lado, existe aquele da comunicação instantânea e do acesso à informação global que, em pouco tempo, desmoronou grande parte do que eram os antigos hábitos de investigação e partilha de ideias e conhecimentos. Do outro, persiste o que, voluntária ou involuntariamente, esbraceja, agarrado ao que já só residualmente sobrevive. Entalada entre estes dois mundos, a indústria discográfica obstina-se no apreço pela fisga em plena era da guerra electrónica: mesmo que, três ou quatro meses antes da sua publicação, um álbum circule já livremente pela Net, muitas das cópias de promoção que, sob apertado sigilo, são, finalmente, distribuídas (ou de que apenas é autorizada a policiada audição única nas instalações da editora) continuam a vir “protegidas” por opacos códigos “de segurança”. E, complementarmente, as senhas de racionamento de “exclusivos” vão sendo parcimoniosamente distribuídas e controladas. O que, no seu conjunto, ajuda a compreender como uma entrevista com Björk (magnanimamente concedida mas... apenas por e-mail), por ocasião do lançamento do seu último álbum, Volta, entre o envio das perguntas e a chegada das respostas, possa chegar a demorar quase três semanas. Não estou muito certo que seja exactamente a isto que ela se refere quando fala de um retorno ao arcaísmo pagão...



A representação visual da sua música (e da sua própria imagem física) sempre a interessou. Numa das hipóteses de capa para Volta, no seu Podcast para o Youtube e nas diversas fotos de promoção, aparece vestida e com o rosto pintado de uma forma que sugere algo que tem a ver com rituais pagãos, xamânicos. Porquê?

Pareceu-me sintetizar muito bem o modo como, neste momento, me sinto: procurando unir todas as pessoas que não se identificam com a religião organizada, dar força a quem se sente muito para além de conceitos idiotas como esse, religar-nos com a natureza, com as nossas origens e com o futuro... Há uma coisa que nunca compreendi: deus criou-nos à sua imagem e semelhança ou, pelo contrário, foi o homem que criou deus à sua imagem e semelhança? E, então, as mulheres? Parece-me de uma incrível pobreza de imaginação (ou será, talvez, arrogância, não sei bem), com tantos animais, tantos planetas e sistemas solares, só conseguirmos imaginar um deus com dois braços, duas pernas e uma cabeça... Vá lá, vejam mais longe, já chega dessas hierarquias!


Por que motivo decidiu dar ao álbum o título Volta?
Num livro que estava a ler, descobri que era esse o nome do inventor da pilha eléctrica. E também de um rio africano. Foi uma coincidência interessante. Mas, acima de tudo, gosto do som da palavra. Tem muita energia. Tinha pensado em “vudu” ou “voltagem” mas pareceram-me demasiado estereotipadas. Quando descobri Volta, achei que se ajustava perfeitamente!

Os seus três últimos álbuns tinham um carácter muito “doméstico” (Vespertine esteve mesmo para se chamar Domestika...): você e o seu laptop, em casa, e, nos acabamentos finais, alguma contribuição de músicos exteriores... Neste, parece ter-lhe apetecido abrir a porta da rua e sair lá para fora...
Sim, sim, sem dúvida! Quando comecei a trabalhar para este disco, a minha filha tinha acabado de fazer três anos e, nessa idade, ela já podia ir para o jardim infantil. O que me permitiu uma liberdade maior estando segura de que tudo estaria bem com ela.

Como escolheu os outros músicos (Timbaland, Antony, Brian Chippendale, Chris Corsano, Konono N°1, Toumani Diabaté, Min Xiao-Fen) que participam no álbum? Já tinha pensado neles, à partida, ou, à medida que o processo de composição se foi desenvolvendo, cada um foi surgindo como a escolha certa para cada canção em particular?
Foi tudo muito impulsivo... nada foi decidido com mais de um mês de antecedência. Procurei apenas servir as necessidades de cada canção. Eu estrago-as um bocado com mimos...



Volta contrasta muito com Medúlla: se este era, essencialmente, um álbum vocal, em Volta, parece ter-se divertido bastante no jogo com diversas sonoridades instrumentais (acústicas e electrónicas) e ter tirado imenso partido dos choques tímbricos e rítmicos. Pretendeu mesmo acentuar esse contraste?
Em Medúlla, também aconteciam muitos choques tímbricos e rítmicos. E, num certo sentido, era também acústico e electrónico uma vez que muitas das vozes também foram bastante processadas electronicamente. Também que me parece que continha bastante humor e leveza. Mas a sua pergunta era acerca do contraste... hmmm... para mim, o maior contraste é que Volta é um álbum exterior e extrovertido enquanto Medúlla era interior e introvertido. Mas ambos são igualmente complexos, musical e emocionalmente. Ou, se calhar, igualmente simples... seja como for, o importante é que, mesmo que Medúlla, tenha sido essencialmente vocal, dediquei-lhe tanto trabalho, atenção e emoção como a qualquer um dos outros.

Todas estas opções de ordem estética foram também realizadas de impulso?
Quando, agora, olho para trás, tudo me aparece como um grande acidente muito feliz. A vida já nos apresenta tantas coisas pré-programadas (os pais, os traços físicos, o tempo de vida...) que, para nos divertirmos, todo o resto tem de ser um bocado impulsivo...


Volta é também (outra vez...) muito rítmico. A começar logo pela investida quase marcial de “Earth Intruders”. Está de regresso à pista de dança?
Não me parece que alguma vez a tenha abandonado. Só que, talvez, agora, dance com uma música diferente. Todos os meus álbuns foram muito rítmicos, se calhar, não passo de uma baterista frustrada... num álbum como Vespertine, sou capaz de ter dedicado cinco vezes mais tempo e esforço às pistas rítmicas do que ao canto e à composição propriamente dita.

Na sua entrevista à “Pitchfork”, não poupa palavras em relação aos diversos fanatismos religiosos que, principalmente nestes últimos anos, nos têm envolvido em tanto desastre e tragédia e proclama: “Deixemos tudo isso para trás. Se, no fundo, somos animais, inventemos uma espécie de batida tribal universal. Somos pagãos. Em marcha!”. Acredita realmente que isso é possível, quando, se olharmos para a história da humanidade, esses conflitos sempre foram repetidamente inevitáveis?
Sinto que houve períodos em que existia bastante optimismo e os outros possuíam o espaço necessário para serem e se exprimirem como desejassem. E houve períodos de uma grande intolerância e autoritarismo moral. Parece-me que, hoje, estamos a atravessar um destes últimos.



Essa questão da “batida tribal”... é uma metáfora para um certo tipo de união e solidariedade global ou acredita verdadeiramente no poder da música como instrumento de mudança social?
Estou convencida que a música pode operar maravilhas no que diz respeito a unir as pessoas, estou mesmo... mas Volta é apenas um álbum. E não se esqueça que lhe disse que procurei divertir-me. Às vezes, tenho a sensação que as pessoas me levam demasiado a sério. Muito do que eu digo quando me entrevistam acaba por ser uma espécie de anedota, como se estivesse a deitar a língua de fora ao ridículo do que é uma entrevista. Como se eu tivesse a obrigação de saber tudo... não acredito que haja alguém que saiba tudo. Em última análise, sou apenas música.

Concorda que, em certa medida, Volta, quase quinze anos depois, recupera a mesma atitude e o mesmo espírito de Debut?
A verdade é que não gosto de Debut. Não é um bom álbum. Cheguei a pedir desculpa por o ter publicado mas, aí, nessa altura, ninguém me levou a sério... desde então, tenho sempre procurado fazer melhor e tenho a sensação que, álbum a álbum, tenho vindo a consegui-lo. (2007)

7 comments:

Anonymous said...

Fabulosa entrevista!
Curioso como Björk fala de assuntos "grandes" sem verborreia ou estereotipos à mistura. Parece-me que ela é das poucas pessoas que se pode dizer terem verdadeiramente um "espirito iluminado".

Sérgio Hydalgo said...

Obrigado pela entrevista.
Já ouviu a Má Fama?
Abraço,
sérgio

Anonymous said...

interessante... a visistar
who is JL? FCSH?

João Lisboa said...

"who is JL? FCSH?"

Definitivamente pouco sociais. Relutantemente humanas.

Try again.

Anonymous said...

:) Concordo com o 'pouco sociais'.
E estou em crer que o palpite n estará mto errado. Certo prof?
;)

João Lisboa said...

"Certo prof?"

Probably not quite...

Anonymous said...

:( cheguei a pensar q JL foi ou é prof na FCSH.
parece que me enganei. qq das formas nice blog