06 March 2007


Jenny Lewis With The Watson Twins - Rabbit Fur Coat

Não valeram de muito aos Rilo Kiley os abundantes elogios derramados por Elvis Costello sobre o seu óptimo álbum do ano passado, More Adventurous. O passado de Jenny Lewis e Blake Sennett como "prodigy child actors" arrasta preconceitos pesados e nem mesmo a relação de amizade e camaradagem com Conor Oberst — o pseudo-génio mais "cool" do parque de diversões "indie" — ajudou grande coisa a lavar essa tremenda nódoa no currículo. "Indie" que é "indie" não pode ter sido contaminado pelos miasmas de Hollywood e, a menos que se purifique através de um estágio de toxicodependência profunda com residência sacrificial em dois ou três "slums" piolhosos, a credibilidade nunca deixará de ser problemática.



E, convenhamos, aquele ar de quem acabou sempre de saír perfumado do banho só complica... No caso de Rabbit Fur Coat, de Jenny Lewis com as Watson Twins, será bastante injusto se não se reparar que, provavelmente, é a ela e à sua acidez de alma disfarçada de candura que se deve o melhor dos Rilo Kiley. Lewis estabelece claramente termos de comparação elevados — das Tammy Wynettes, Patsy Clines e Loretta Lynns deste mundo a Laura Nyro — e, com o apoio das vozes country/gospel de Chandra e Leigh Watson, expele mel e veneno em doses rigorosamente equilibradas.



O antigo conflito com Aquele Cujo Nome Não Pode Ser Pronunciado persiste ("Well you praise him, then you thank him till you reach the by-and-by, and I've won hundreds at the track but I'm not betting on the afterlife" ou "It's just you and god but what if god's not there? But his name is on the dollar bill which just became cab fare" são esclarecedores), os mortais não são feitos de melhor massa ("What are you changing? Who do you think you're changing? You can't change things, we're all stuck in our ways, it's like trying to clean the ocean, what do you think you can drain it? It was poisoned and dry long before you came") e até os "family values" levam que contar ("So my mom, she brushes her hair and my dad starts growing Bob Dylan's beard and I share with my friends a couple of beers in the Atlanta streets, in the belly of the beast") num processo de muito improvável redenção ("But I like watching you undress, and I think we're at our best by the flicker of the light of the TV set, 'cos I can't remember why I hated you, can't remember why I still do, but I'm as sure as the moon rolls around you that I could be happy").(2006)



Rilo Kiley - More Adventurous

Foi Bob Dylan, com "Like A Rolling Stone", quem inaugurou o género que, daqui em diante, passará a ser designado como canção-pop-fdp: uma variedade de generosa aspersão de bílis e veneno sobre ódios de estimação avulsos, o mundo em geral e, não infrequentemente, sobre si mesmo. Sob a forma de melodia redonda e texto de arame farpado, bombom com recheio de cicuta, carta armadilhada em papel perfumado. Elvis Costello e Aimee Mann foram (e são) dos mais notórios praticantes pelo que não haverá de ser um acaso que o primeiro tenha oferecido a sua pública benção aos Rilo Kiley e que, a espaços, o espírito (e a letra) das canções de Jenny Lewis e Blake Sennett façam pensar na segunda. More Adventurous — terceiro álbum da banda — abre da melhor maneira: "Any chimp can play human for a day, and use his opposable thumbs to iron his uniform and run for office on election day" ("It's A Hit") dedicada aquele W que o universo prefere detestar.



Mas não é necessário apontar o tiro tão para cima porque o mundo da "little people" não podia ser terreno mais fértil para "snapshots" de pequenas abominações e grandes desastres ("you're just damage control for a walking corpse like me, like you, 'cause we're all portions for foxes"), débeis encenações de quase nada ("the absence of god will bring you confort, baby, and planning is for the poor so let's pretend we're rich"), pura e simples insolência ("you're obsessed with finding a new brain but what you need is a new body"), desprezo e vómito ("I never loved you even in my weakness, you were fuel for the fire, cannon fodder"), ausência e perda ("it's only doubts we're counting on fingers broken long ago").



Isto é, um exercício de regurgitação do humano mais desgraçadamente humano como higiene do corpo e da alma traduzido para um idioma que cruza o glorioso colorido da pop clássica com a new-wave americana facção-"ear-friendly" e Dylan tal como Lloyd Cole o ouviu. A boa velha atitude "it's a holiday for a hanging", na exacta definição e na magnífica voz de Jenny Lewis. (2005)

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