05 December 2024

"A Luz de Lisboa"

(sequência daqui) JL - Correndo o risco de largar mais uma daquelas frases de que nunca mais nos livramos, poderá dizer-se que o Zé Mário foi o teu Alain Oulman? 

    C - Completamente. Nas mais variadas circunstâncias. Por exemplo, estar atento à possibilidade de, num determinado poema, cantar uma parte e não a outra, algumas repetições que não deveriam ser feitas e outras que eram necessárias. 

    JL - Como é que o Zé Mário encarava os teus "desvios" para o exterior do fado (caso dos Humanos, da interpretação de standards norte-americanos, Xutos, Jorge Palma)... 

    C - Foram casos pontuais, convites para coisas que, não sendo fado, eu gostava realmente de fazer. Essencialmente, tratou-se de circunstâncias em que a minha forma de cantar nunca se esquece de ir por dentro do texto, contar a história e entrar naquele ambiente A minha ideia não era sair da minha música que é, de facto, o fado. E o Zé Mário percebeu perfeitamente que aquilo não era um caminho, não era nenhum desvio, 

    JL - Desde esse primeiro encontro entre um ex-inimigo figadal do fado e um puto que toda a vida respirou fado, funcionaste um pouco como um jovem mestre dele? 

    C - O fado tinha passado a ser apenas a ser uma música de que ele gostava muito. Aliás, comigo, o processo foi ouvir fado as escondidas em casa, baixinho. Depois ouvia rock - era mais heavy metal - na garagem de uns amigos em Porto Salvo - e depois havia a pop. Nessa altura, havia muitas bandas a começar nas garagens e desafiavam-me para cantar mas eu escolhi o fado. Achava que a minha voz, a minha maneira de cantar e aquilo que eu queria tinham a ver com o fado. Mas quando comecei a ouvir fado - o meu bisavô e o meu avô cantavam -, aquilo irritava-me imenso, achava esquisita aquela característica do canto. Não foi nada natural, incomodava-me aquela voz fadista do meu pai. O que é certo é que, sem querer, acabei por herdá-la. Quando tinha doze ou treze anos e cantava outras coisas que não fado, afadistava-as e os meus amigos gozavam comigo. Eu até pensava que não tinha jeito para cantar mas, quando comecei a cantar fado, com todas as inseguranças, apercebi-me de que, por ali, conseguia cantar. (segue para aqui)

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