18 January 2024

(sequência daqui) "A música folk é História preservada. Conta a história de uma classe que nunca deteve o poder. Que nunca escreveu os livros. Penso ter sido Frank Harte quem disse: 'Quem tem o poder escreve a História, quem sofre escreve as canções'. Continuar a cantar estas canções é mantermo-nos em contacto com a história das classes trabalhadoras e manifestar-lhes solidariedade no presente", disse também Flynn a "The Thin Air". E isso poderia ser integralmente transposto para abordar CYRM, dos ØXN, colecção de 6 canções maioritariamente sob uma perspectiva feminina e retratando uma espécie de eternas trevas mentais medievais, nas quais a selvajaria exercida sobre mulheres supostamente possuídas por demónios ou outras entidades malignas é regra. Fruto da maravilhosa promiscuidade estética de Dublin, a banda é constituída por Radie Peat (voz dos Lankum), Eleanor Myler (Percolator), Katie Kim e John ‘Spud’ Murphy (produtor dos Lankum). ØXN designa uma variedade de touros castrados usados como bestas de carga na velha Irlanda e CYRM um maligno encantamento feminino. Reforçando a faceta das coincidências significativas, o grupo teve origem no fatídico dia 6 de Janeiro de 2021, quando, ao mesmo tempo que, em Washington DC, uma multidão de bárbaros enfurecidos assaltava o Capitólio, Peat, Kim e Myler celebravam o Nollaig na mBan (Natal das Mulheres irlandês) actuando na mesma torre militar de vigia debruçada sobre o Atlântico onde os Lankum gravaram False Lankum. "Cruel Mother", "The Trees They Do Grow High", e "Love Henry" injectam o soro de misoginia, vingança, perda e assombração de raiz tradicional e "The Wife of Michael Cleary" (de Maija Sofia) e "The Feast" (inspirado pelo romance de Nick Cave, And The Ass Saw The Angel), são a demonstração concreta da linha contínua que une o Mal de todas as épocas. Os 13 arrasadores minutos finais de "Farmer in the City", extraída de Tilt, de Scott Walker (1995), não autorizam espaço nem tempo para que um único soluço possa ocorrer.
 

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