"Cop26 is doomed, and the hollow promise of ‘net zero’ is to blame"(Yanis Varoufakis)
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André
said...
A 3A razão apontada engloba tudo o resto. Alternativas, como carros elétricos, eólicas, nuclear, etc., não têm potencial para substituir os combustíveis fósseis à mesma escala, com a mesma eficência e custo. Ponto. A resposta está em mudar de vida. Mas vamos dizer agora aos países em desenvolvimento que não podem poluir, quando a supremacia económica do Ocidente, China e Japão se construiu sob chaminés de fábricas? Vamos desmantelar o modelo capitalista, fundamentado na produção de excedentes e no fetichismo do produto? Ninguém está interessado nisso. Varoufakis erra quando diz, logo a abrir o texto, que as pessoas estão interessadas em limitar as emissões. Estão, desde que possam comprar telemóveis de última geração, roupa nova cada 2 meses, fazer férias viajando de avião, comer carne suculenta com frequência, etc. A conta passará de mão em mão, até ao descalabro final. Não tenhamos ilusões.
«Alternativas, como carros elétricos, eólicas, nuclear, etc., não têm potencial para substituir os combustíveis fósseis à mesma escala, com a mesma eficência e custo».
Parece-me lógico que é preferível ter alguma solução alternativa do que não ter nada, e investir mais na pesquisa de alternativas do que lamentarmo-nos que será sempre assim (só tenho reservas em relação aos carros eléctricos, que considero um erro). Existe algum motivo para esse «tudo ou nada»? Já agora, os combustíveis fósseis são um recurso inesgotável? E será seguro o mundo estar dependente de um punhado de grandes produtores?
« Varoufakis erra quando diz, logo a abrir o texto, que as pessoas estão interessadas em limitar as emissões. »
Os grandes empresários deste mundo (que, no final, nada terão para comer além do dinheiro) dificilmente podem ser apelidados de «pessoas». Cuidado com as generalizações.
«Mas vamos dizer agora aos países em desenvolvimento que não podem poluir, quando a supremacia económica do Ocidente, China e Japão se construiu sob chaminés de fábricas?»
Parece-me que sim. Olhando à volta, creio vivermos num mundo bastante diferente do da Idade Média.
«Vamos desmantelar o modelo capitalista, fundamentado na produção de excedentes e no fetichismo do produto? Ninguém está interessado nisso.»
Na verdade, cada vez mais produtores e consumidores estão interessados. Nem toda a gente quer ser grande para ter como objectivo de vida ganhar milhões e estoirá-los em jactos, festas com putas e férias de luxo.
«Estão, desde que possam comprar telemóveis de última geração, roupa nova cada 2 meses, fazer férias viajando de avião, comer carne suculenta com frequência, etc.»
Ainda bem que não sou um desses. E, pasme-se, conheço imensa gente como eu!
Em primeiro lugar, ninguém falou em 'tudo ou nada' relativamente aos combustíveis fósseis. Referi simplesmente o que são dados disponíveis para a qualquer pessoa consultá-los: - a escala de consumo e do mercado dos combustíveis fósseis não tem actualmente alternativa viável, nem individualmente, nem através de soluções combinadas. Não é uma questão de perspectiva, é uma questão técnica. Qualquer solução que não passe necessariamente por uma mudança drástica nos hábitos de consumo, reforma de modelos económico, etc., será para inglês ver. Eu trabalho numa área afim e estar agora aqui a demonstrar a insuficiênca de cada alternativa seria impróprio, mas se procurar, certamente encontra os problemas associados a cada uma. Mas a escala do mercado é o principal.
Em segundo lugar, o Daniel Ferreira não percebeu o dilema moral de vedar a países em desenvolvimento o acesso a processos fundamentais para o mecanismo de industrialização capitalista - como o uso de carvão, por exemplo. Precisamente por não vivermos na Idade Média é que essa questão ocupa amplo espaço nos foros de discussão e argumentação diplomáticos. Mais uma vez, sem uma reforma profunda das premissas capitalistas actuais da economia globalizada, vai ser muito difícil conseguir compromissos de países como a Índia (prestes a tornar-se o país mais populoso do mundo). Dizer 'que comam brioche' não é solução.
'Os grandes empresários deste mundo (que, no final, nada terão para comer além do dinheiro) dificilmente podem ser apelidados de «pessoas». Cuidado com as generalizações.'
Aqui, o Daniel tresleu o que escrevi. Varoufakis refere na abertura do seu texto que, caso se fizesse um inquérito generalizado entre as pessoas relativamente a uma série de questões prementes, as relacionadas com as alterações climáticas e emissões estariam à cabeça. Eu estou convencido de que se esse inquérito fosse verdadeiramente global, dificilmente seriam as preocupações prementes reflectidas nos resultados. A maioria do mundo não é Americano, nem Europeu, grande parte tem níveis de literacia baixos e vive no limiar da pobreza.
'Nem toda a gente quer ser grande para ter como objectivo de vida ganhar milhões e estoirá-los em jactos, festas com putas e férias de luxo.'
'Nem toda a gente' é o quÊ? Que prevalência estatística tem isso? Se calhar refere-se a seu grupo de amigos? Aos hipsters em geral do ocidente desenvolvido? Tem a certeza de que biliões de habitantes da Ásia, África e Américas não têm mesmo essa ambição? O seu planeta pessoal, informo-o, é uma minúscula ilusão.
'Ainda bem que não sou um desses. E, pasme-se, conheço imensa gente como eu!'
Óptimo para o Daniel e para o planeta. Mas a gente que o Daniel conhece é totalmente irrelevante para o caso. Não tenho de explicar porquê, pois não?
Se calhar, atrevo-me a recomendar-lhe que viage mais, leia mais e aprenda que o mundo é um bocadinho diferente e mais complicado do que parece olhando para o seu grupo de amigos, ou como o pintam o Expresso e a Sic Notícias. Há gente para lá do mundo do homem branco, das eólicas e dos carros eléctricos. Humanidade essa que é a verdadeira maioria e que conta zero em pífios simulacros como o CP26.
O seu primeiro parágrafo não refuta o que eu disse. É evidente que não existe uma alternativa energética a curto prazo para substituir os combustíveis fósseis. Mas a minha afirmação «Parece-me lógico que é preferível ter alguma solução alternativa do que não ter nada, e investir mais na pesquisa de alternativas do que lamentarmo-nos que será sempre assim» continua sem refutação. Nas últimas décadas, viu-se ou não um desenvolvimento substancial nesta matéria?
Também não discordei em nenhum momento da afirmação sobre a necessidade de mudar os hábitos de consumo e os modelos económicos, como, aliás, se pode depreender da minha resposta.
«Eu trabalho numa área afim e estar agora aqui a demonstrar a insuficiênca de cada alternativa seria impróprio, mas se procurar, certamente encontra os problemas associados a cada uma. Mas a escala do mercado é o principal.»
Não preciso de procurar. Mas a resposta continua a faltar: é ou não necessário continuar a procurar alternativas? E é ou não melhor ter algumas alternativas do que não ter nenhumas?
«Em segundo lugar, o Daniel Ferreira não percebeu o dilema moral de vedar a países em desenvolvimento o acesso a processos fundamentais para o mecanismo de industrialização capitalista».
O meu «Parece-me que sim» foi impulsivo, dado que nunca acreditei na legitimidade ou viabilidade de uma imposição dessa natureza. Naturalmente, a solução energética global tem de passar por compromissos e tudo o resto que se discutiu acima.
«Aqui, o Daniel tresleu o que escrevi.»
Não tresli. Fui apenas sarcástico. Se não me fiz entender, assumo a culpa. Além disso, o Varoufakis estava a ser retórico.
«'Nem toda a gente' é o quÊ? Que prevalência estatística tem isso? Se calhar refere-se a seu grupo de amigos? Aos hipsters em geral do ocidente desenvolvido? Tem a certeza de que biliões de habitantes da Ásia, África e Américas não têm mesmo essa ambição? O seu planeta pessoal, informo-o, é uma minúscula ilusão.
Na verdade, não só o meu grupo de amigos deixaria a rua da Betesga quase deserta, mas tenho a certeza absoluta de que a maioria do planeta não está minimamente interessado em viver de acordo com a descrição que fiz. Os hábitos de consumo ocidentais têm potencial para influenciar os restantes, mas isso é bem diferente de alterar radicalmente as culturas, que não se restringem aos hábitos de consumo. Além disso, é uma falsa questão: nenhum modelo económico dá sequer a mais ínfima possibilidade de tal coisa acontecer. Portanto, é equivalente a discutir o sexo dos anjos.
«Óptimo para o Daniel e para o planeta. Mas a gente que o Daniel conhece é totalmente irrelevante para o caso. Não tenho de explicar porquê, pois não?»
Não sei onde é que foi buscar a ideia de que o mundo é feito apenas de consumidores fanáticos cujo objectivo de vida é consumir até cair. E, como afirmei, o mundo do consumo (ocidental) é, claramente, mais consciencioso do que alguma vez foi, quer da parte de produtores quer de consumidores. Se essa transformação nas últimas décadas não é evidente... E ainda há os governos: para grandes males, grandes remédios. E também aí se têm visto medidas legislativas (impopulares entre os produtores, como não poderia deixar de ser, mas é a vida) e mais virão.
«Se calhar, atrevo-me a recomendar-lhe que viage mais, leia mais e aprenda que o mundo é um bocadinho diferente e mais complicado do que parece olhando para o seu grupo de amigos, ou como o pintam o Expresso e a Sic Notícias. Há gente para lá do mundo do homem branco, das eólicas e dos carros eléctricos. Humanidade essa que é a verdadeira maioria e que conta zero em pífios simulacros como o CP26.»
É «viaje».
As suas recomendações é que são particularmente pífias.
«Há gente para lá do mundo do homem branco, das eólicas e dos carros eléctricos. Humanidade essa que é a verdadeira maioria e que conta zero em pífios simulacros como o CP26.»
Não fazia ideia! Será que é de viajar pouco?
Se isto não fosse um blog de música, acabaria a perguntar-lhe: afinal, o que é que sugere? Mas como é...
Eu sugiro posições fortes perante a China,com sanções económicas onerosas, que por arrasto terão influência na política presente e futura da Índia, combinadas com uma política agressiva de reforma dos hábitos de consumo e, finalmente, investimento massivo em R&D de renováveis, protegido por acordos internacionais que limitem o negócio de patentes. Soa quimerico, eu sei, porque implica desmantelar, ou reformar, princípios fundamentais do modelo económico global actual e não há vontade política para tal. O que parece certo é não existir uma solução única e mágica, como apostar só em fontes de energia alternativas e manter os padrões de consumo inalterados. Por exemplo, a actividade humana com maior impacto no ambiente, de longe, é a agricultura. Os desequilíbrios no ciclo do carbono provocados pela agricultura dita industrial são devastadores. Precisamos de desenvolver métodos que aumentem a produtividade de solos por unidade de área, mas as pessoas também têm de mudar os seus hábitos alimentares. Em média, por exemplo, cada norte-americano come aprox. 52 kg de carne de vaca por ano. Cada kg de carne produzida acarreta 60kg de GEE emitidos para a atmosfera, ou seja 3000kg/ano por habitante, que corresponde a um total aproximado para os EUA de 100 milhoes de toneladas (!) de GEE por ano. Isto sem contar com os impactos de desflorestação, degradação de aquiferos e solos associados à cultura intensiva cerealífera que serve de base a toda a indústria alimentar.
Credo! Não, o problema, neste exemplo não é o consumo de carne, mas sim o consumo estapafúrdio. Podia dar também o exemplo do actual modelo económico da indústria têxtil (um grande poluidor global), de que a Inditext é exemplo paradigmático. Precisamos mesmo de comprar t-shirts todos os meses, porque estar na moda custa 10 paus?
"Eu sugiro posições fortes perante a China,com sanções económicas onerosas»
A China não é um país qualquer. Tem 5000 anos de História, uma grande civilização por trás e uma excelente memória da mesma; não pede desculpa pelo passado nem por culpados que já morreram há séculos, e muito menos deita abaixo as respectivas estátuas; sofreu atrocidades indescritíveis por causas externas e internas, mas não passa a vida a lamentar-se; os seus habitantes são particularmente inteligentes e pragmáticos, levam a sério o conhecimento, a abstracção, o respeito pelos anciãos, a disciplina e as boas maneiras; são pouco dados a futilidades e preferem apreciar os pequenos prazeres da vida; não admitem que os estrangeiros ditem como deve a sua nação ser gerida ou como deve a sua História ser contada. Em suma, olham para os ocidentais de cima para baixo. Não espere poder enfiar o dedo no nariz de uma nação assim, porque o mais provável é que o seu braço acabe cortado rente pelo ombro e dado de comer aos porcos.
O que na minha opinião pode e deve ser feito (e já o devia ter sido há muito) é não permitir que a China continue a inundar os mercados ocidentais com produtos de baixa qualidade, produzidos sem condições laborais decentes e com matérias-primas proibidas nos países de destino. A China também tem fábricas impecáveis e sabe produzir com muita qualidade. No Ocidente desenvolvido, as empresas estão sujeitas a leis rigorosas e obrigadas a testar os seus produtos de acordo com normas específicas e muito detalhadas. Portanto, o mercado chinês é, e sempre foi, um concorrente altamente desleal (com toda a poluição que lhe está associada). Acresce a isto a reformulação do que precisamos realmente de importar: quando vamos a uma loja chinesa, quanta daquela quinquilharia não tem qualquer utilidade e só serve para prendas baratas de Natal que acabam em sótãos e quermesses? Claro que estas premissas não se aplicam a mercados subdesenvolvidos da América do Sul, África e Ásia, onde o rigor na produção, nas condições de trabalho e na qualidade também quase não existe, mas o mercado ocidental é gigante e fará toda a diferença, além de servir para exemplo futuro.
É também necessário continuar a legislar no sentido de terminar com produtos que de nada servem, como já se viu com palhinhas, louça descartável, carregadores electrónicos com portas incompatíveis, etc. Acabar com os sacos de plástico gratuitos nas lojas fez, como se sabe, uma enorme diferença, o que mostra que pequenos passos podem levar a grandes resultados. Que venha, por isso, uma legislação ambiental ainda mais ambiciosa.
«Os desequilíbrios no ciclo do carbono provocados pela agricultura dita industrial são devastadores.»
Eu não discordo com o que disse sob o impacto ambiental da agricultura intensiva (só não sei se os números estão correctos, mas isso agora também não é importante, até porque é impossível obter números exactos ou sequer aproximados), mas discordo fortemente da treta da «pegada de carbono». O dióxido de carbono é das coisas mais inócuas (o que não significa que seja inócuo) que saem da chaminé de uma fábrica ou de um tubo de escape. É incrível como, de repente e após décadas de discussão pública, não só a sociedade se esqueceu completamente dos verdadeiros venenos que determinam a porção mais perigosa da poluição, mas ainda permitiram o descaramento dos fabricantes de se aproveitarem da «pegada de carbono» para fins comerciais. Não fossem os jornalistas e divulgadores de ciência tão charlatães, nem a opinião pública tão crédula, já as soluções para os assuntos que estamos aqui a discutir estariam num patamar bem mais elevado.
«Uma aliança táctica com PAN e animalistas afins contra o consumo de carne?»
Sou animalista (dos radicais) e vegetariano por motivos éticos há 25 anos (ou seja, comecei quando as pessoas como eu eram particularmente desprezadas -- e até humilhadas -- pela sociedade). Não sou e nunca serei do PAN, nem esse partido me merece crédito. Não sendo também do BE de forma alguma, devo dizer que este partido já tinha vindo a demonstrar há muito sensibilidade para a questão dos direitos dos animais -- principalmente pela mão da digníssima Marisa Matias, pessoa com quem discordo na mesmíssima proporção que admiro -- e, portanto, não precisávamos do PAN para nada. É altura de parar de chamar esse partido ao barulho para discutir certos assuntos.
«Por acaso, hoje vesti uma camisa em que, há mais de 10 anos, não punha a vista em cima.»
Deixe-me adivinhar: encontrou-a cheia de cotão atrás de um móvel de CDs? :-b
"Sou animalista (dos radicais) e vegetariano por motivos éticos há 25 anos"
Também sou animalista (dos radicais) e ex-vegetariano (da variedade "lacto-ovo") crescentemente candidato a sê-lo de novo: praticamente não consumo carne.
"encontrou-a cheia de cotão atrás de um móvel de CDs?"
:-)
Não. Tenho bastantes camisas e tenho-me apercebido que quem as passa a ferro as vai arrumando por estratos geológicos. Noutro dia, decidi ir investigar os mais antigos.
17 comments:
A 3A razão apontada engloba tudo o resto. Alternativas, como carros elétricos, eólicas, nuclear, etc., não têm potencial para substituir os combustíveis fósseis à mesma escala, com a mesma eficência e custo. Ponto. A resposta está em mudar de vida. Mas vamos dizer agora aos países em desenvolvimento que não podem poluir, quando a supremacia económica do Ocidente, China e Japão se construiu sob chaminés de fábricas? Vamos desmantelar o modelo capitalista, fundamentado na produção de excedentes e no fetichismo do produto? Ninguém está interessado nisso. Varoufakis erra quando diz, logo a abrir o texto, que as pessoas estão interessadas em limitar as emissões. Estão, desde que possam comprar telemóveis de última geração, roupa nova cada 2 meses, fazer férias viajando de avião, comer carne suculenta com frequência, etc. A conta passará de mão em mão, até ao descalabro final. Não tenhamos ilusões.
É bastante possível, sim.
«Alternativas, como carros elétricos, eólicas, nuclear, etc., não têm potencial para substituir os combustíveis fósseis à mesma escala, com a mesma eficência e custo».
Parece-me lógico que é preferível ter alguma solução alternativa do que não ter nada, e investir mais na pesquisa de alternativas do que lamentarmo-nos que será sempre assim (só tenho reservas em relação aos carros eléctricos, que considero um erro). Existe algum motivo para esse «tudo ou nada»? Já agora, os combustíveis fósseis são um recurso inesgotável? E será seguro o mundo estar dependente de um punhado de grandes produtores?
« Varoufakis erra quando diz, logo a abrir o texto, que as pessoas estão interessadas em limitar as emissões. »
Os grandes empresários deste mundo (que, no final, nada terão para comer além do dinheiro) dificilmente podem ser apelidados de «pessoas». Cuidado com as generalizações.
«Mas vamos dizer agora aos países em desenvolvimento que não podem poluir, quando a supremacia económica do Ocidente, China e Japão se construiu sob chaminés de fábricas?»
Parece-me que sim. Olhando à volta, creio vivermos num mundo bastante diferente do da Idade Média.
«Vamos desmantelar o modelo capitalista, fundamentado na produção de excedentes e no fetichismo do produto? Ninguém está interessado nisso.»
Na verdade, cada vez mais produtores e consumidores estão interessados. Nem toda a gente quer ser grande para ter como objectivo de vida ganhar milhões e estoirá-los em jactos, festas com putas e férias de luxo.
«Estão, desde que possam comprar telemóveis de última geração, roupa nova cada 2 meses, fazer férias viajando de avião, comer carne suculenta com frequência, etc.»
Ainda bem que não sou um desses. E, pasme-se, conheço imensa gente como eu!
O Daniel Ferreire comete vários equívocos.
Em primeiro lugar, ninguém falou em 'tudo ou nada' relativamente aos combustíveis fósseis. Referi simplesmente o que são dados disponíveis para a qualquer pessoa consultá-los: - a escala de consumo e do mercado dos combustíveis fósseis não tem actualmente alternativa viável, nem individualmente, nem através de soluções combinadas. Não é uma questão de perspectiva, é uma questão técnica. Qualquer solução que não passe necessariamente por uma mudança drástica nos hábitos de consumo, reforma de modelos económico, etc., será para inglês ver. Eu trabalho numa área afim e estar agora aqui a demonstrar a insuficiênca de cada alternativa seria impróprio, mas se procurar, certamente encontra os problemas associados a cada uma. Mas a escala do mercado é o principal.
Em segundo lugar, o Daniel Ferreira não percebeu o dilema moral de vedar a países em desenvolvimento o acesso a processos fundamentais para o mecanismo de industrialização capitalista - como o uso de carvão, por exemplo. Precisamente por não vivermos na Idade Média é que essa questão ocupa amplo espaço nos foros de discussão e argumentação diplomáticos. Mais uma vez, sem uma reforma profunda das premissas capitalistas actuais da economia globalizada, vai ser muito difícil conseguir compromissos de países como a Índia (prestes a tornar-se o país mais populoso do mundo). Dizer 'que comam brioche' não é solução.
'Os grandes empresários deste mundo (que, no final, nada terão para comer além do dinheiro) dificilmente podem ser apelidados de «pessoas». Cuidado com as generalizações.'
Aqui, o Daniel tresleu o que escrevi. Varoufakis refere na abertura do seu texto que, caso se fizesse um inquérito generalizado entre as pessoas relativamente a uma série de questões prementes, as relacionadas com as alterações climáticas e emissões estariam à cabeça. Eu estou convencido de que se esse inquérito fosse verdadeiramente global, dificilmente seriam as preocupações prementes reflectidas nos resultados. A maioria do mundo não é Americano, nem Europeu, grande parte tem níveis de literacia baixos e vive no limiar da pobreza.
'Nem toda a gente quer ser grande para ter como objectivo de vida ganhar milhões e estoirá-los em jactos, festas com putas e férias de luxo.'
'Nem toda a gente' é o quÊ? Que prevalência estatística tem isso? Se calhar refere-se a seu grupo de amigos? Aos hipsters em geral do ocidente desenvolvido? Tem a certeza de que biliões de habitantes da Ásia, África e Américas não têm mesmo essa ambição? O seu planeta pessoal, informo-o, é uma minúscula ilusão.
'Ainda bem que não sou um desses. E, pasme-se, conheço imensa gente como eu!'
Óptimo para o Daniel e para o planeta. Mas a gente que o Daniel conhece é totalmente irrelevante para o caso. Não tenho de explicar porquê, pois não?
Se calhar, atrevo-me a recomendar-lhe que viage mais, leia mais e aprenda que o mundo é um bocadinho diferente e mais complicado do que parece olhando para o seu grupo de amigos, ou como o pintam o Expresso e a Sic Notícias. Há gente para lá do mundo do homem branco, das eólicas e dos carros eléctricos. Humanidade essa que é a verdadeira maioria e que conta zero em pífios simulacros como o CP26.
Caro André:
O seu primeiro parágrafo não refuta o que eu disse. É evidente que não existe uma alternativa energética a curto prazo para substituir os combustíveis fósseis. Mas a minha afirmação «Parece-me lógico que é preferível ter alguma solução alternativa do que não ter nada, e investir mais na pesquisa de alternativas do que lamentarmo-nos que será sempre assim» continua sem refutação. Nas últimas décadas, viu-se ou não um desenvolvimento substancial nesta matéria?
Também não discordei em nenhum momento da afirmação sobre a necessidade de mudar os hábitos de consumo e os modelos económicos, como, aliás, se pode depreender da minha resposta.
«Eu trabalho numa área afim e estar agora aqui a demonstrar a insuficiênca de cada alternativa seria impróprio, mas se procurar, certamente encontra os problemas associados a cada uma. Mas a escala do mercado é o principal.»
Não preciso de procurar. Mas a resposta continua a faltar: é ou não necessário continuar a procurar alternativas? E é ou não melhor ter algumas alternativas do que não ter nenhumas?
«Em segundo lugar, o Daniel Ferreira não percebeu o dilema moral de vedar a países em desenvolvimento o acesso a processos fundamentais para o mecanismo de industrialização capitalista».
O meu «Parece-me que sim» foi impulsivo, dado que nunca acreditei na legitimidade ou viabilidade de uma imposição dessa natureza. Naturalmente, a solução energética global tem de passar por compromissos e tudo o resto que se discutiu acima.
«Aqui, o Daniel tresleu o que escrevi.»
Não tresli. Fui apenas sarcástico. Se não me fiz entender, assumo a culpa. Além disso, o Varoufakis estava a ser retórico.
«'Nem toda a gente' é o quÊ? Que prevalência estatística tem isso? Se calhar refere-se a seu grupo de amigos? Aos hipsters em geral do ocidente desenvolvido? Tem a certeza de que biliões de habitantes da Ásia, África e Américas não têm mesmo essa ambição? O seu planeta pessoal, informo-o, é uma minúscula ilusão.
Na verdade, não só o meu grupo de amigos deixaria a rua da Betesga quase deserta, mas tenho a certeza absoluta de que a maioria do planeta não está minimamente interessado em viver de acordo com a descrição que fiz. Os hábitos de consumo ocidentais têm potencial para influenciar os restantes, mas isso é bem diferente de alterar radicalmente as culturas, que não se restringem aos hábitos de consumo. Além disso, é uma falsa questão: nenhum modelo económico dá sequer a mais ínfima possibilidade de tal coisa acontecer. Portanto, é equivalente a discutir o sexo dos anjos.
«Óptimo para o Daniel e para o planeta. Mas a gente que o Daniel conhece é totalmente irrelevante para o caso. Não tenho de explicar porquê, pois não?»
Não sei onde é que foi buscar a ideia de que o mundo é feito apenas de consumidores fanáticos cujo objectivo de vida é consumir até cair. E, como afirmei, o mundo do consumo (ocidental) é, claramente, mais consciencioso do que alguma vez foi, quer da parte de produtores quer de consumidores. Se essa transformação nas últimas décadas não é evidente... E ainda há os governos: para grandes males, grandes remédios. E também aí se têm visto medidas legislativas (impopulares entre os produtores, como não poderia deixar de ser, mas é a vida) e mais virão.
«Se calhar, atrevo-me a recomendar-lhe que viage mais, leia mais e aprenda que o mundo é um bocadinho diferente e mais complicado do que parece olhando para o seu grupo de amigos, ou como o pintam o Expresso e a Sic Notícias. Há gente para lá do mundo do homem branco, das eólicas e dos carros eléctricos. Humanidade essa que é a verdadeira maioria e que conta zero em pífios simulacros como o CP26.»
É «viaje».
As suas recomendações é que são particularmente pífias.
«Há gente para lá do mundo do homem branco, das eólicas e dos carros eléctricos. Humanidade essa que é a verdadeira maioria e que conta zero em pífios simulacros como o CP26.»
Não fazia ideia! Será que é de viajar pouco?
Se isto não fosse um blog de música, acabaria a perguntar-lhe: afinal, o que é que sugere? Mas como é...
Perguntem. Façam as perguntas todas. Este é também um blog de música. Mas não só.
Eu sugiro posições fortes perante a China,com sanções económicas onerosas, que por arrasto terão influência na política presente e futura da Índia, combinadas com uma política agressiva de reforma dos hábitos de consumo e, finalmente, investimento massivo em R&D de renováveis, protegido por acordos internacionais que limitem o negócio de patentes. Soa quimerico, eu sei, porque implica desmantelar, ou reformar, princípios fundamentais do modelo económico global actual e não há vontade política para tal. O que parece certo é não existir uma solução única e mágica, como apostar só em fontes de energia alternativas e manter os padrões de consumo inalterados. Por exemplo, a actividade humana com maior impacto no ambiente, de longe, é a agricultura. Os desequilíbrios no ciclo do carbono provocados pela agricultura dita industrial são devastadores. Precisamos de desenvolver métodos que aumentem a produtividade de solos por unidade de área, mas as pessoas também têm de mudar os seus hábitos alimentares. Em média, por exemplo, cada norte-americano come aprox. 52 kg de carne de vaca por ano. Cada kg de carne produzida acarreta 60kg de GEE emitidos para a atmosfera, ou seja 3000kg/ano por habitante, que corresponde a um total aproximado para os EUA de 100 milhoes de toneladas (!) de GEE por ano. Isto sem contar com os impactos de desflorestação, degradação de aquiferos e solos associados à cultura intensiva cerealífera que serve de base a toda a indústria alimentar.
Uma aliança táctica com PAN e animalistas afins contra o consumo de carne?
Credo! Não, o problema, neste exemplo não é o consumo de carne, mas sim o consumo estapafúrdio. Podia dar também o exemplo do actual modelo económico da indústria têxtil (um grande poluidor global), de que a Inditext é exemplo paradigmático. Precisamos mesmo de comprar t-shirts todos os meses, porque estar na moda custa 10 paus?
Por acaso, hoje vesti uma camisa em que, há mais de 10 anos, não punha a vista em cima.
:-)
Caro André:
Como se viu, concordamos no essencial.
Apenas dois longos comentários.
"Eu sugiro posições fortes perante a China,com sanções económicas onerosas»
A China não é um país qualquer. Tem 5000 anos de História, uma grande civilização por trás e uma excelente memória da mesma; não pede desculpa pelo passado nem por culpados que já morreram há séculos, e muito menos deita abaixo as respectivas estátuas; sofreu atrocidades indescritíveis por causas externas e internas, mas não passa a vida a lamentar-se; os seus habitantes são particularmente inteligentes e pragmáticos, levam a sério o conhecimento, a abstracção, o respeito pelos anciãos, a disciplina e as boas maneiras; são pouco dados a futilidades e preferem apreciar os pequenos prazeres da vida; não admitem que os estrangeiros ditem como deve a sua nação ser gerida ou como deve a sua História ser contada. Em suma, olham para os ocidentais de cima para baixo. Não espere poder enfiar o dedo no nariz de uma nação assim, porque o mais provável é que o seu braço acabe cortado rente pelo ombro e dado de comer aos porcos.
O que na minha opinião pode e deve ser feito (e já o devia ter sido há muito) é não permitir que a China continue a inundar os mercados ocidentais com produtos de baixa qualidade, produzidos sem condições laborais decentes e com matérias-primas proibidas nos países de destino. A China também tem fábricas impecáveis e sabe produzir com muita qualidade. No Ocidente desenvolvido, as empresas estão sujeitas a leis rigorosas e obrigadas a testar os seus produtos de acordo com normas específicas e muito detalhadas. Portanto, o mercado chinês é, e sempre foi, um concorrente altamente desleal (com toda a poluição que lhe está associada). Acresce a isto a reformulação do que precisamos realmente de importar: quando vamos a uma loja chinesa, quanta daquela quinquilharia não tem qualquer utilidade e só serve para prendas baratas de Natal que acabam em sótãos e quermesses? Claro que estas premissas não se aplicam a mercados subdesenvolvidos da América do Sul, África e Ásia, onde o rigor na produção, nas condições de trabalho e na qualidade também quase não existe, mas o mercado ocidental é gigante e fará toda a diferença, além de servir para exemplo futuro.
É também necessário continuar a legislar no sentido de terminar com produtos que de nada servem, como já se viu com palhinhas, louça descartável, carregadores electrónicos com portas incompatíveis, etc. Acabar com os sacos de plástico gratuitos nas lojas fez, como se sabe, uma enorme diferença, o que mostra que pequenos passos podem levar a grandes resultados. Que venha, por isso, uma legislação ambiental ainda mais ambiciosa.
«Os desequilíbrios no ciclo do carbono provocados pela agricultura dita industrial são devastadores.»
Eu não discordo com o que disse sob o impacto ambiental da agricultura intensiva (só não sei se os números estão correctos, mas isso agora também não é importante, até porque é impossível obter números exactos ou sequer aproximados), mas discordo fortemente da treta da «pegada de carbono». O dióxido de carbono é das coisas mais inócuas (o que não significa que seja inócuo) que saem da chaminé de uma fábrica ou de um tubo de escape. É incrível como, de repente e após décadas de discussão pública, não só a sociedade se esqueceu completamente dos verdadeiros venenos que determinam a porção mais perigosa da poluição, mas ainda permitiram o descaramento dos fabricantes de se aproveitarem da «pegada de carbono» para fins comerciais. Não fossem os jornalistas e divulgadores de ciência tão charlatães, nem a opinião pública tão crédula, já as soluções para os assuntos que estamos aqui a discutir estariam num patamar bem mais elevado.
«Uma aliança táctica com PAN e animalistas afins contra o consumo de carne?»
Sou animalista (dos radicais) e vegetariano por motivos éticos há 25 anos (ou seja, comecei quando as pessoas como eu eram particularmente desprezadas -- e até humilhadas -- pela sociedade). Não sou e nunca serei do PAN, nem esse partido me merece crédito. Não sendo também do BE de forma alguma, devo dizer que este partido já tinha vindo a demonstrar há muito sensibilidade para a questão dos direitos dos animais -- principalmente pela mão da digníssima Marisa Matias, pessoa com quem discordo na mesmíssima proporção que admiro -- e, portanto, não precisávamos do PAN para nada. É altura de parar de chamar esse partido ao barulho para discutir certos assuntos.
«Por acaso, hoje vesti uma camisa em que, há mais de 10 anos, não punha a vista em cima.»
Deixe-me adivinhar: encontrou-a cheia de cotão atrás de um móvel de CDs? :-b
"Sou animalista (dos radicais) e vegetariano por motivos éticos há 25 anos"
Também sou animalista (dos radicais) e ex-vegetariano (da variedade "lacto-ovo") crescentemente candidato a sê-lo de novo: praticamente não consumo carne.
"encontrou-a cheia de cotão atrás de um móvel de CDs?"
:-)
Não. Tenho bastantes camisas e tenho-me apercebido que quem as passa a ferro as vai arrumando por estratos geológicos. Noutro dia, decidi ir investigar os mais antigos.
«Não. Tenho bastantes camisas e tenho-me apercebido que quem as passa a ferro as vai arrumando por estratos geológicos.»
Caramba, a última vez que ouvi sobre algo dessa dimensão foi a propósito dos sapatos da Imelda Marcos.
:-)))
https://lishbuna.blogspot.com/2010/03/dancing-queen-david-byrne-fatboy-slim.html
Dado que o seu link me remeteu também para Ryszard Kapuściński, não se esqueça de ler o Ébano, s.f.f.!
Obrigado. Tomei nota. Dele, só li "Mais um dia de vida: Angola 1975".
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