09 July 2021

 
(sequência daqui) Tudo fica um pouco mais claro quando recordamos o que, em 1964, escreveu em "My Back Pages”: “Ah, but I was so much older then, I'm younger than that now". De facto, nessa altura, Bob Dylan existia há apenas 5 anos. Surgira quando, em 1959, Robert Zimmerman, estudante irregular da universidade do Minnesota, em Minneapolis, tinha começado a frequentar os cafés da zona boémia de Dinkytown onde a folk music estava incluída na ementa (“Ainda em Hibbing, tinha ouvido um disco de Leadbelly, na Folkways. Ali mesmo, aquele disco mudou a minha vida. Transportou-me para um mundo de que ignorava tudo. Foi como uma explosão”). Apresentava-se como Bob Dylan pelo motivo que, em 2004, explicaria: “Acontece muitas vezes nascermos com o nome errado ou na família errada. Mas podemos escolher o nome que quisermos. Vivemos num país livre!”. A futura namorada, Suze Rotolo, ainda não o fizera ler Rimbaud mas algo lhe dizia já que “je est un autre” (quando, enfim, o leu, “Todas as campaínhas começaram a tocar. Aquelas palavras faziam perfeito sentido”).


Antes fora Elston Gunn (quando tocou piano num álbum de Bobby Vee) e, para o miúdo que, no liceu, fizera parte de bandas tão supremamente ignoradas como The Jokers, The Shadow Blasters, The Golden Chords e The Rock Boppers, e, no livro de curso, confessara a ambição de “tocar com Little Richard", tudo parecia no caminho certo. Na verdade, o único emprego que tivera após acabar o liceu fora o de empregado de mesa num restaurante, em Fargo, embora, mais tarde, contasse que sonhara ser militar (“Via-me muito mais a morrer numa batalha heróica do que na cama”). Porém, quando chegou a Nova Iorque, em 1961, estava já possuido pelo espírito de Woody Guthrie: andava, falava e cantava como ele, mimetizava-lhe o sotaque "okie", e até os tiques e espasmos musculares da coreia de Huntington que, em breve, poria fim à vida do autor de "This Land Is Your Land". Em Minneapolis, um" beatnik", David Whittaker, emprestara-lhe Bound For Glory, a auto-biografia semi-ficcional de Woody, Dylan – cada vez mais distante de um Zimmerman prestes a extinguir-se – apropriou-se dela (“The book sang out to me, like the radio”) e, segundo Rotolo, “desenvolveu a sua própria versão de um trovador errante, no molde de Guthrie”. O descendente de judeus russos e lituanos emigrados para os EUA no início do século XX, filho de uma família de pacatos pequenos comerciantes, saía de cena e cedia o lugar a uma personagem que faria de “I’m not there” o seu lema. (segue para aqui)

5 comments:

Ricardo A. P. Reis said...

Para quando um livro seu sobre o Bob Dylan? É que isto de ler em fascículos sabe sempre a pouco...

João Lisboa said...

Já há livros mais do que suficientes sobre o Bob Dylan. Só se alguém se desse ao trabalho de reunir tudo o que já escrevi sobre ele e se decidisse a editá-lo poderia a minha lendária preguiça ser vencida.

Ricardo A. P. Reis said...

Recomenda algum em particular?

João Lisboa said...

Clinton Heylin - Revolution in the Air: The Songs of Bob Dylan: Vol. 1;
Still on the Road: The Songs of Bob Dylan: Vol. 2;

Greil Marcus - Invisible Republic: Bob Dylan's Basement Tapes; Like a Rolling Stone: Bob Dylan at the Crossroads;

The World Of Bob Dylan (edited by Sean Latham).

Ricardo A. P. Reis said...

Excelente. Muito obrigado.