30 June 2021


 
"Sob qualquer forma, em qualquer tempo, o diálogo é um sinal de civilização e de paz. Mas, pouco a pouco (...), quase todos se foram moldando à fala telegráfica, que é apenas uma maneira de evitar a fala, um substituto sintético da verdadeira fala. A invasão da língua pelo calão ou, pior, por meia dúzia de termos de calão, não é mais do que um aspecto desta redução da linguagem (do pensamento e da sensibilidade: da pessoa) a meia dúzia de lugares-comuns que pobremente se repetem até (quem sabe?) ao desgaste final da língua (do pensamento, da sensibilidade, das pessoas). Pouco a pouco, cedendo à pressão de tantas e tantas circunstâncias, a conversa no seu mais alto significado, que é o de desfiar a realidade a dois ou a três, o de reencontrar a realidade através do choque suave e compreensivo, do encontro tolerante (seja vivo, embora, seja entusiástico!) de duas ou mais visões opostas que, ao fim, se completam, esfumou-se. A maior parte das pessoas - e são professores, são advogados, são médicos, são até artistas - não suporta uma frase mais longa, uma observação que não pareça trazer, ao fim de dois minutos, a sua aplicação imediata, ou seja: a observação pessoal, o outro lado, a variedade, de que a vida se enriquece. Habituaram-nos a receber essa nova entidade, odiosa e esterilizante: o slogan. O sim ou o não, a chave que abre esta porta e se deita fora mal a abriu". (Mário Dionísio - Passageiro Clandestino I, 20/10/50)

8 comments:

Anonymous said...

O meu caro Mário Dionísio (meu professor de Técnicas de Expressão do que Português, na FLUL) teria uma apoplexia se visse e/ou ouvisse a linguagem que por aí circula nas bocas e nas mãos (ou nos pés) da geração mais bem preparada de sempre.

João Lisboa said...

O Mário Dionísio meu querido professor de Francês no Liceu Camões. https://lishbuna.blogspot.com/2016/07/vai-com-um-dia-de-atraso-e-o-costume.html Passávamos aulas inteiras à procura da melhor tradução para meia dúzia de linhas de texto. E ninguém se aborrecia. E plantou em mim o ódio de morte a más traduções.


Anonymous said...

Também me marcou muito. Algum do meu perfeccionismo veio dele.
Estou a vê-lo de cachimbo a corrigir-me, já depois das aulas, porque tinha dito algo muito vago.

Anonymous said...

A malta de hoje não usa a aplicação com que nasceu.

João Lisboa said...

"Também me marcou muito"

Só por acidente, alguém saído da mediocridade das Escolas "Superiores de Educação" actuais poderá sonhar que alguém diga isso dele/a.

"A malta de hoje não usa a aplicação com que nasceu"

E (praticamente) nada nem ninguém se esforça muito por que o façam. Até porque muitos que deveriam esforçar-se também não usam.

Anonymous said...

Para haver gente das Escolas "Superiores de Educação" (com muitas aspas) que deixe marcas em quem lá pass(e)ou, é preciso uma extraordinária conjugação astral.

João Lisboa said...

"gente das Escolas "Superiores de Educação" (com muitas aspas) que deixe marcas em quem lá pass(e)ou"

E gente que "lá pass(e)ou" que seja capaz de deixar marcas nos futuros alunos.

Anonymous said...

Isso é tão provável como encontrar um unicórnio voador quando for a caminho da escola.