(iniciando-se, de baixo para cima *, de um total de 38)
Fiona Apple – Fetch The Bolt Cutters
Bob Dylan – Rough And Rowdy Ways
Stick In The Wheel – Hold Fast
* a ordem é razoavelmente arbitrária...
"Gosto imenso de juntar palavras, mas apenas quando isso me é fácil, quando esse processo parece desenvolver-se por si mesmo. Nunca apago nada e praticamente nunca escrevo. Uma canção tem de estar completa na minha cabeça antes de eu a escrever. E só a escrevo se, de alguma forma, me servir, se me aperceber que, para me sentir melhor, não posso evitar escrevê-la. Se não tenho coisa alguma a transbordar, nada tenho para dar. Preciso de manter a antena sintonizada e, quando me dou conta de que já estou ‘cheia’, então, sento-me e escrevo. Se não tenho vontade de escrever canções, nunca me forço a fazê-lo”, conta Fiona Apple numa videomontagem do YouTube na qual conversa com Quentin Tarantino. E, quando este lhe diz que começou a analisar as canções dela e se apercebeu de que as melhores são aquelas que recorrem a imagens violentas (“Metafóricas, sim, mas, simultaneamente, autênticas. Naquele instante, pensavas mesmo em matá-lo!”), Fiona recorda como a mãe lhe descrevia as suas birras infantis: “Quando, por algum motivo, me irritava, ouviam-se sempre três sons: batia furiosamente com os pés no chão, fechava as portas com estrondo e corria a martelar o piano. Pela sua natureza percussiva, o piano atraía-me muito, tal como muita gente que toca bateria como forma de libertar a raiva”. Tudo isso está intensamente presente em Fetch the Bolt Cutters e, muito em particular, nas três canções desse álbum — "I Want You To Love Me", "Shameika" e "Fetch the Bolt Cutters" — que, em outubro passado, interpretou num vídeo para o New Yorker Festival (online): as mãos como aranhas sobre o teclado, a voz, à beira do sufoco, que gorgoleja à maneira do John Cale do tempo em que lhe corria lava nas veias, o quase rap alucinado e vertiginoso de "Shameika" cuspido sobre um microfone em risco de ser avidamente devorado. Aí apenas com a implacável e austera cumplicidade "live" do contrabaixista Sebastian Steinberg, da baterista Amy Aileen Wood, e do guitarrista/teclista Davíd Garza, mas despida da formidável atmosfera waitsiana de primitivismo sonoro presente no disco, cozinhada nas nada canónicas "jam sessions" (baldes, pedaços de metal, mesas, paredes, utensílios de cozinha, ossadas de cães, arquejos, gritos, latidos) da casa-estúdio de Venice Beach, na Califórnia, lugar de encarceramento voluntário onde Fiona, desde há muito, se exilara. A intolerável existência do (ainda) inquilino da Casa Branca já lhe inspirara o "loop" de agitprop "Tiny Hands" (“We don’t want your tiny hands, anywhere near our underpants”) e o nojo perante a nomeação de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal de Justiça (“Good mornin’, good mornin’, you raped me in the same bed your daughter was born in”) fá-la-ia transbordar no labiríntico desenho rítmico do coral "For Her". Penúltima canção a ser escrita, "Fetch the Bolt Cutters" deveria ser o sinal para “o culminar de tudo o que tinha sido a minha vida até aí, o momento em que diria: ‘É a altura de enfrentar o mundo e sair daqui para fora.’ E, justamente no instante em que estava disposta a usar o alicate para me desencarcerar, aconteceu o 'lockdown'”. Fiona continuou em casa, mas o álbum seria publicado a 17 de Abril... (daqui)
11 comments:
Os Protomartyr ficaram de fora dos primeiros 38 ou há ainda lugar para um ex-aequo no top ten :-)?
'We're all mowing esoteric patterns in the grass
A fast and fading echo of ancient Nazca man'
Não são "os primeiros 38", é a totalidade dos 38.
Os Protomartyr passaram-me acima do radar. I plead guilty.
Também gostei muito do álbum dos Protomartyr e achei os vídeos excelentes, com Bridge and Crown entre os destaques musicais e visuais
Porquê 38?
Porque, se dividires o quadrado da altura da pirâmide de Gizé pelo dobro da distância média entre as patas dianteiras de um tapir e, ao resultado obtido, subtraíres o número de compassos (menos 2) do "Love Me Do", obténs exactamente, 91 que NÃO É o dobro de 38. A seguir, são apenas cálculos elementares.
Got it.
Esqueci-me de dizer que, no caso, se trata de um tapir adulto.
Este anos tivemos um gosto parecido: dos meus 5 álbuns preferidos, 3 duplicam - os de Maria McKee, Stick In The Wheel e Fiona Apple - e os outros 2 estão um pouco mais "abaixo" na sua lista - os das OHMME e Porridge Radio.
Os discos de Bob Dylan e Bruce Springsteen são apenas interessantes.
Gosto muito de 3 álbuns que não estão na sua lista - os de Jarv is..., Suzanne Vega e Throwing Muses.
2020 até foi um bom ano para a Música.
Se estiver interessado a minha lista completa está em "oceuoinfernoeodesejo.blogspot.pt"
Um bom ano,
Fernando Oliveira
Como a minha ordem ´"é razoavelmente arbitrária" - não inteiramente, só razoavelmente - até há mais coincidências.
Boa lista de 38, em bom ano de colheita.
Para mim, os discos do Dylan e do Callahan foram os melhores do ano. Com o dos Protomartyr logo logo a seguir.
Ligeiramente desiludido pelo disco do Hamilton Leithauser, que achei guinchão e sensaborão.. Jarv Is também só me convenceu a espaços, pontualmente (embora, claramente para mim, o seu melhor do período pós-Pulp).
No entanto, para mim, o ano é claramente do David Byrne e do Spike Lee, com a sua encenação filmada do fabuloso American Utopia: "a bim beri glassala grandrid E glassala tuffm I zimbra".. Bom 2021!
Bom 2021! (até porque, para ser melhor que 2020, não é preciso muito)
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