09 June 2020

UMA NAÇÃO DISTANTE


Era para ser La Nouvelle France, acabou por ser New Ireland, e, pelo caminho, deu origem a New Italy. Na origem de tudo esteve Charles Marie Bonaventure du Breil, marquês De Rays, nobre bretão aventureiro e lunático, que, em 1877 se proclamou “Carlos, rei da Nova França”, um império imaginário no Pacífico Sul. Para atribuir alguma realidade ao devaneio, em 1880, organizou uma expedição de cinco navios carregados com 570 alemães, franceses e italianos que ludibriara com promessas de um futuro radioso no novo império a troco de um investimento de 1800 francos por cabeça. Umas centenas de mortos mais tarde – por doença, inanição e maus tratos –, aportariam à actual New Ireland (uma ilha da Papua Nova Guiné), para descobrirem que a terra prometida como uma Riviera dos antípodas oferecia-lhes pouco mais do que fome, solo não arável e malária. Pelo meio de inúmeras peripécias e sucessivos desenganos, um grupo de italianos conseguiria chegar à Nova Gales do Sul, na Austrália, e aí fundar uma colónia, inicialmente, La Cella Venezia, e, depois, New Italy, 490 hectares à beira do rio Richmond, hoje, um lugarejo com menos de 200 habitantes, semeado de réplicas de estatuária greco-romana. 



É exactamente essa a origem da família de Marcel Tussie, baterista dos Rolling Blackouts Coastal Fever (a que acrescem as memórias mediterrânicas da ascendência dos guitarrista e baixista Tom e Joe Russo), que, para o segundo álbum, Sideways To New Italy, foram em busca de uma relação metafórica entre a existência nómada da banda desde a formidável estreia, Hope Downs (2018), e a história da emigração europeia para a Austrália: “São expressões de gente à procura de um lar em território desconhecido, à descoberta de uma utopia num mundo turbulento e imperfeito”, dizem eles agora, tal como, há dois anos, já falavam de “uma colecção de postais de um mundo cada vez mais estranho em que sentimos que a areia nos foge sob os pés”. Sem se prenderem demasiado ao perfil musical do primeiro disco (a mais que perfeita aliança entre Go-Betweens e Television) nem rompendo abruptamente com ele, por entre o fogo de artifício das três guitarras e sobre um mapa - de Melbourne, a Darwin ou a Rushwort -, projectam o filme: “I keep my vision tight at all the deep scenes, a stationary boy in a moving daydream, down on the corner, watching over, liquid crystal simulation, like a ghost at the service station, in some far-off fence post nation”.

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