10 March 2020

PARA ACABAR DE VEZ COM O VÍRUS DA CORONAHISTERIA (J. Buescu)

Evitei até hoje pronunciar-me sobre este assunto; mas chegados à situação actual, acho que é uma questão de serviço cívico enquanto matemático.

O gráfico acima, que consta de um site de Johns Hopkins que acompanha a situação do coronavirus em tempo real (1) e que recomendo a todos que descarreguem para o telemóvel, compara o número de infecções por coronavírus na China (laranja) e resto do Mundo (amarelo) com os casos de recuperação. À data de hoje (1/3/2020) há 42.600 recuperados, de um total de 87.000 casos identificados. Devemos ficar preocupados? Não, pelo contrário. Devemos ficar muito tranquilizados. Note-se que a curva dos recuperados acompanha perfeitamente a das infecções, com um tempo de latência de 3-4 semanas. O número de recuperados hoje, 1/3/2020, é igual ao total de infectados em todo o Mundo em 10/2/2020. A taxa de recuperação para os casos de infecção registados em Fevereiro é superior a 99%.

Para ganhar sensibilidade para a evolução da doença, transcrevo os números em bruto. I é o número de infectados, R de recuperados.

22 Jan: I = 547, R=28
29 Jan: I = 7.700, R=133
5 Fev: I= 20.000, R= 1.100
12 Fev: I=50.200, R= 5.200
19 Fev: I=75.700, R= 16.100
26 Fev: 81.000, R= 30.400
1 Mar (hoje): I=87.000, R=42.600

Ou seja, em Janeiro quase não havia recuperados; hoje mais de metade do total de infectados já recuperou. Num mês, o número de recuperados cresceu por um factor de 300. Curiosamente, nunca vi estes números referidos na imprensa, mais preocupada com visões do apocalipse.

Estamos pois a braços com uma virose essencialmente inócua (mais pormenores abaixo), com um período de recuperação de 3-4 semanas, após o qual, de acordo com os melhores números actuais, 99,3% dos infectados recuperam sem complicações.

Do ponto de vista da saúde pública, a questão colocada pelo nCOVID-19 é apenas a sua elevadíssima taxa de contágio. A OMS estima um valor de R_0, grandeza que nos modelos matemáticos SIR (Susceptíveis-Infectados-Recuperados) determina a taxa de propagação exponencial, de 2,3. Para comparação, a gripe sazonal tem R_0=1.3, propagando-se de forma muito mais lenta. Para saber mais sobre o que isto quer dizer e sobre os modelos matemáticos de epidemiologia veja-se por exemplo (2) ou (3).

Por outro lado, os números mostram que se trata de uma virose essencialmente inócua: o período de recuperação é de 3-4 semanas, após o qual 99,3% dos infectados estão recuperados. A estimativa actual da OMS para a taxa de mortalidade para casos surgidos depois de 1 de Fevereiro, portanto depois do surto inicial, é actualmente de 0,7% Como termo de comparação, o vírus Ébola tem uma taxa de mortalidade próxima dos 50%. A da gripe é 0,1%. Esse factor de 7 pode parecer preocupante; mas temos de colocar as coisas em perspectiva. no outbreak inicial, ainda em Dezembro em Wuhan, a taxa de mortalidade inicial parecia ser 17,6% (o que se ficou a saber dever-se ao colapso do sistema hospitalar da região), depois foi reestimada para 5%, depois no fim de Janeiro 2%. Agora a taxa global está em 0.7% - 25 vezes menor do que o inicialmente temido. E os dados mostram inequivocamente que, para casos novos, esta estimativa está a baixar a uma taxa exponencial constante, devendo estabilizar num valor muito mais baixo. Veja-se o gráfico 2, sobre os casos clinicamente encerrados. O encerramento por morte está a laranja, por recuperação a verde. A 2 de Fevereiro, 42% dos casos encerrados eram por morte e 58% por recuperação. A 1 de Março, 6% são por morte e 94% por recuperação (se os valores ainda parecem altos, recorde que eles incorporam a mortalidade anormal do surto inicial de Wuhan, que desequilibram as contas). Este processo está em plena progressão e os dados sugerem que, dentro de duas a quatro semanas -- digamos, em Abril -- a taxa de mortalidade estabilizará num valor próximo do da gripe sazonal.

A virose em si não é complicada; um dos maiores virologistas espanhóis e Presidente da Sociedade Espanhola de Virologia, José Antonio Lopez Guerrero, descreve-o como “mais do que um catarro, menos do que uma gripe” (4). 80% dos casos são assintomáticos ou têm sintomas muito leves. Apenas em 5% dos casos existem complicações graves, na sua grande maioria em grupos de risco: por exemplo, pessoas com bronquites crónicas, DPOC ou sistema imunitário estruturalmente enfraquecido como doentes oncológicos. São essas pessoas que podem estar em perigo – tal como estariam, com o mesmo nível de risco, se contraíssem uma gripe comum.

O coronavírus já está em Portugal, isso é uma inevitabilidade cósmica. Isso é preocupante? Não particularmente, a menos que se pertença ou se esteja em contacto próximo com um grupo de risco. Como descrevi acima, ele é menos perigoso para a população saudável do que uma gripe. Mas, tal como alguém com uma gripe toma precauções para não a transmitir, também aqui essas precauções devem ser tomadas, de forma mais drástica divido à altíssima taxa de contágio.

Se o coronavírus servir para implantar socialmente comportamentos como lavar mãos frequentemente ou não espirrar para o ar, tanto melhor. Não devemos ir visitar aquela tia idosa ao lar se estivermos afectados, como não o fazemos quando estamos com gripe. Podemos ter de cancelar algumas viagens de avião, como aconteceu comigo, mas vamos viver a vida normalmente. De resto, não há qualquer motivo para pânico ou sentimentos de apocalipse, apesar da desinformação constante e do alarmismo mediático a que assistimos diariamente – esse sim, o mais perigoso vírus de toda esta história.

Nota: vale a pena destacar, do texto de López Guerrero, referido por Buescu: "Cambiamos momentáneamente de virus para centrarnos en la gripe, fundamentalmente en la gripe A. Aquel mismo virus que en 2009 copó la atención de todos los medios de comunicación tras los primeros casos en gente joven en México -llegué a ver un marcador digital en un congreso internacional que iba señalando la aparición de caso a caso-, con titulares, como ahora, alarmantes de 'la pandemia de todas las pandemias'. Esta gripe A, genotipo H1N1 es, hoy en día, el amigo nunca deseado que nos visita cada año por estas fechas. No hay titulares, no hay alarma, no hay acopio de comida imperecedera en las grandes superficies ni especulación salvaje con la venta de mascarillas, la mayoría de las veces, incluso, de calidad dudosa"

6 comments:

Anonymous said...

O troll dos números. Não vá ao médico, vá ao matemático. E morram os dois juntos. Só se estraga uma casa.

João Lisboa said...

O chamado "comentário" borderline: esteve vai-não vai para ser desmaterializado.

Vá lá saber-se porquê, passou.

Um Jeito Manso said...

Não dá para perceber como é que há gente que embirra tanto com a matemática. Esse seu Leitor aí em cima terá percebido alguma coisa do que leu?

João Lisboa said...

"terá percebido alguma coisa do que leu?"

Nem o que escreveu deve ter percebido.

Music lover said...

Pois... convém ouvir outras vozes. E isto a TV não tem feito, vai tudo atrás do mesmo.
Mas, já estamos habituados a isto, ao espectáculo televisivo. A noite passada voltei a ver o belíssimo “Tarde de um dia de cão”, do Sidney Lumet que retrata, entre muitas outras coisas, o papel da televisão e o fascínio que esta exerce sobre as pessoas, são capazes de tudo para aparecer, nem que seja por 15 minutos.
Nesta epidemia televisiva não há lugar para outras opiniões, pode estragar a festa, como aquele familiar inconveniente que ninguém quer à mesa.
Convém sempre ouvir tudo, mais que não seja para discordar.

Pedro Lucas said...

Faz hoje um mês que foi escrito este texto. Errar é humano, Buescu errou, retratou-se, acriou um grupo para debater, "Coronavírus: factos a partir de números" e é agora realista e mais pessimista que os líricos que já falam de picos passados ou dos impacientes que exigem datas, como João Miguel Tavares.
A dúvida é o primeiro sinal de conhecimento.