14 January 2020

O REINO DESUNIDO


Em Novembro de 2018, 50 anos após a data de publicação original, The Kinks Are The Village Green Preservation Society atingiu, finalmente, o estatuto de Disco de Ouro no Reino Unido por vendas superiores a 100 000 cópias. Lançado em Novembro de 1968, no mesmo dia do White Album dos Beatles, enquanto este, numa semana, despachou 2 milhões de exemplares pelo mundo fora, Village Green não conseguiu sequer meter um pé nas tabelas de vendas, transformando-se no que Ray Davies qualificaria como “the most successful flop of all time”. O êxito tardio, coincidindo com a publicação comemorativa da "Super Deluxe 50th Anniversary Edition" de 11 CD, teve, porém, um catalisador invisível mas decisivo: o desunido reino do Brexit tinha, enfim, chegado ao momento histórico no qual podia apreciar devidamente aquela – meio imaginária, meio real – “Englishness” em vias de extinção que as canções de Ray Davies celebravam, caldo de cultura para todas as peçonhas nacionalistas. 

"Victoria" (todo o álbum aqui)
 
Continham tanto de candura quanto de ironia – como levar a sério “God save little shops, china cups, and virginity”? – mas o lado-B desse mítico paraíso rural-proletário tornar-se-ia gritante no álbum do ano seguinte, Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire) - agora também reeditado noutra "Super Deluxe 50th Anniversary Edition". Porque esta história de um homem vulgar esquecido pelo império era tudo menos idílica: da era vitoriana (“Long ago, life was clean, sex was bad, called obscene, and the rich were so mean”) às bravíssimas forças armadas (“Give the scum a gun and make the bugger fight and be sure to have deserters shot on sight, if he dies we'll send a medal to his wife”) e às pequenas ilusões (“She's bought a hat like Princess Marina's to wear at all her social affairs, she wears it when she's cleaning the windows, she wears it when she's scrubbing the stairs, but you will never see her at Ascot”) dos peões no tabuleiro (“You look like a real human being, but you don't have a mind of your own”), o retrato ferozmente realista emoldurado em requintada pop era assaz deprimente. Em 1969, foi muito mais bem acolhido do que Village Green. Desta vez, não é tão certo.

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