AMOR, SEXO, CULPA, REDENÇÃO E ÊXTASE (II)
Apesar de esse primeiro volume ser contemporâneo do Howl, de Allen Ginsberg, a afinidade com a "beat generation" era problemática: “Eu escrevia poemas cheios de rimas, muito burilados, e eles tinham-se revoltado abertamente contra essa forma poética que associavam às elites literárias opressivas. Sentia-me próximo deles e, mais tarde, cruzei-me com eles aqui e acolá ainda que nem por sombras possa afirmar que fiz parte daquele círculo”. E, na mesma entrevista de 1994, em Madrid, explicar-me-ia: “Estive próximo da 'beat generation' e, apesar de não ter realmente, feito parte dela, conheci Ginsberg, Kerouac e Corso. Antes, também me dava com outros a que chamávamos os ‘boémios’: frequentava os seus cafés em Montreal, embora não fosse um deles. Depois, apareceram os hippies que não me interessaram especialmente, em particular, quando começaram a poluir os rios e a deixar lixo por todo o lado quando iam para o campo adorar deus e a natureza! Eram péssimos campistas! Eu que fui escuteiro posso dizê-lo!... No momento em que rebentou a guerra do Vietname, embora ninguém goste de guerra, como a minha mãe tinha vindo da Rússia e sofrido a experiência comunista, compreendi que o comunismo não era uma expressão benigna e que o Ocidente lhe devia resistir. Por isso, nunca participei daquela retórica em que ‘América’ se escrevia com um k e era descrita como um país fascista. Não era, tinha recebido os meus familiares quando chegaram como refugiados e eu tinha-lhe uma dívida de gratidão. Por isso, em relação a todos os movimentos que têm surgido, tenho-me aproximado mas nunca alinhei com nenhum”. Talvez o maior problema de Cohen com a "beat generation", fosse, justamente, o facto de ser uma geração: “Quem se casa com o espírito da sua geração corre o risco de ficar viúvo na seguinte”, disse, uma vez. Ou, como refere a folk singer Julie Felix, em Marianne & Leonard – Words of Love, “a sensação de nunca pertencer a coisa alguma” era parte da sua natureza”.
Com Allen Ginsberg
Em Dezembro de 1959, Leonard Cohen viaja para Londres, onde se predispõe a escrever a sua “obra-prima”. Mas Beauty At Close Quarters apenas, em 1963, será publicado como The Favourite Game após, por determinação do editor, Jack McClellan, ter sido podado em metade da sua extensão original (“Qualquer pessoa com um bom ouvido perceberá que destruí orquestras inteiras para encontrar uma única linha melódica”, dirá mais tarde). Compra uma máquina de escrever Olivetti verde, e, na Burberry’s, de Regent Street, uma (futuramente famosa) gabardina azul. “Estar em Londres, naquele tempo, foi uma revelação. Era uma outra cultura, uma espécie de terra de ninguém entre a Segunda Guerra Mundial e os Beatles”. (Philip Larkin, doze anos mais velho, em "Annus Mirabilis", de 1967, confirmá-lo-ia: “Sexual intercourse began in nineteen sixty-three (which was rather late for me), between the end of the ‘Chatterley’ ban and the Beatles' first LP”). Um conhecido – Jacob Rothschild, futuro 4º barão de Rothschild – fala-lhe de uma ilha grega, Hidra, que abrigava uma comunidade de expatriados, artistas, boémios e escritores vindos de todo o lado.
Com Marianne Ihlen, em Hidra
Com um único dia de paragem em Atenas, deixa-se cativar instantaneamente por aquele lugar onde enxerga burros no lugar dos automóveis, gatos dormindo ao sol sobre os rochedos, o azul do mar e o branco das casas caiadas, pescadores de esponjas e de peixe. Como escreve Sylvie Simmons: “O ritual, as rotinas e a austeridade da vida na ilha satisfaziam-no muitíssimo. Havia naquela existência qualquer coisa de monástico, à parte o facto de se tratar de monges privilegiados; a colónia artística de Hidra antecipara-se aos hippies em meia década, no que toca ao amor livre”. Ginsberg e Gregory Corso passaram por lá, mas também um obscuro romancista norueguês, Axel Jensen, e a mulher, Marianne Ihlen. “Leonard apaixonara-se por Hidra assim que vira aquela ilha. Era um lugar, disse, onde ‘tudo o que víamos era belo, todos os recantos, todos os candeeiros, tudo aquilo em que tocávamos, tudo’. O mesmo aconteceu quando viu Marianne pela primeira vez. ‘Marianne«, escreveu ele numa carta a Irving Layton, ‘é perfeita’. Marianne, a quem a avó profetizara ‘Vais conhecer um homem que fala com uma língua de ouro’ sucumbiu também. Era “um sentimento que tentei recriar centenas de vezes, sem êxito: aquela impressão de ser um homem adulto, ao lado de uma mulher linda com quem gostamos de estar, e de termos o mundo inteiro diante de nós, aquele momento em que temos o corpo bronzeado do sol e estamos prestes a embarcar num navio”. No filme de Nick Broomfield, Nancy Bacal, a amiga de Montréal, dissera: “Ficaram todos em Westmount. Então, nós fomo-nos embora”. Marianne, de outro àngulo, acrescenta: “E ali estávamos nós, dois refugiados fugindo de algo que eu sabia que, um dia, iríamos ter de enfrentar”. Leonard fecha o círculo: “As pessoas à minha volta sofriam. Eu estava sempre a partir, sempre a tentar fugir”. (continua)
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