08 January 2019

O MUNDO A ARDER

  
“‘The Colony’ é a história da América cantada sob a perspectiva da consciência colectiva colonial branca. Os coros funcionam como contraponto à voz principal: um coro de gente que sofreu e continua a sofrer às mãos do invasor e opressor. Vozes despojadas de linguagem e reduzidas a uivar, relegadas para um segundo plano, mas constituindo, ainda assim, os alicerces da canção e, por extensão metafórica, deste país. Trata-se, evidentemente, de uma acusação e de um hino à terra e ao povo”, diz Vera Sola, a propósito da canção que escreveu após ter participado nos protestos de Standing Rock contra a construção de um "pipeline", perigosamente próximo das águas do Missouri que abastecem a reserva índia Sioux local e que profana diversos lugares sagrados da comunidade. “I found myself a new world, sailed around its ring, I wrought myself a country and I crowned myself its king (…), I clawed myself a nation and I’ve shopped its waterways, I crack the dirt for smoking out rhymes of energy, I gouge myself a pipeline and I dig myself a mine” é a transcrição poética desse protesto que surge como segunda faixa de Shades, álbum de estreia de Vera Sola (alias, Danielle Aykroyd, filha do actor Dan Aykroyd). 


O estado de espírito que o atravessa é de intranquila emergência – “Qualquer pessoa sensível, neste clima político, sente-se obrigada a falar. Se não o fizermos, é uma pústula que alastrará e acabará por nos matar. Se o mundo está a arder – e está –, o que temos a perder?” – mas o leque conceptual da ex-estudante de dança e piano, licenciada em literatura por Harvard, é mais vasto: “Esta é uma colecção de histórias diferentes acerca da ideia de assombração: uma relação em ruínas, um genocídio, uma série de mensagens num telemóvel, um insecto, uma extinção, uma ira, um arrependimento. Uma decadência opulenta. A degradação que decorre do poder da tecnologia e a solidão de tudo isso”. Algures entre uma folk gótica, a sombra de Leonard Cohen e uma moderna imponderabilidade que tanto poderá fazer pensar em Nico como nos Portishead hipoteticamente compondo para PJ Harvey num filme de David Lynch, é fácil entrar mas quase impossível sair destas litanias “for the lovers, for the killers, for the liars” capazes de nos fazer testemunhas da invectiva de Eva a Adão: “I am a fraction of, I am subtracted from, I am you, your derivation, I am the absence of, I am the great big hole, I am the sin dark dove, I am the dust-wrought second one”.

3 comments:

Anonymous said...

A História deveria ser uma coisa limpinha.
Onde houvesse apenas coisas boas, de esquerda radical.

Há sempre alguém que diz não.

É o caso do João.

Com ele não há hipótese.

Não se salva nada.

João Lisboa said...

Tem um brilhante futuro na crítica de música. Não o desperdice.

Táxi Pluvioso said...

E do lado preto:

https://www.youtube.com/watch?v=O8maBsuhHr4