26 January 2019

"Em Portugal, quando se está num verdadeiro festival político de identidades, neste caso a propósito do racismo, o efeito de ocultação do discurso ideológico 'anti-racista' sobre as questões de fundo esbate os problemas sociais, a exclusão, a marginalização. Sem dúvida, a cor da pele conta e agrava, mas as fontes do conflito são sociais antes de serem 'identitárias'. Um negro rico, ou académico, ou yuppie, ou consultor financeiro é cada vez menos negro e um negro pobre é cada vez mais negro. Todos têm de lidar com a cor da pele, como os brancos em África, e o racismo é inaceitável, mas só a melhoria da condição social é eficaz para o combater. (...) Sendo a política de 'identidades' uma forma de reformismo, daí não vem nenhum mal ao mundo. Porém, tem um efeito perverso cujos custos a esquerda ainda não percebeu que está a e vai pagar: é fazer espelho com a outra política de 'causas' da direita radical, os movimentos antiaborto e anti-imigrantes, a islamofobia a favor da 'civilização cristã', a mulher dona de casa, o anti-intelectualismo, a defesa dos valores 'familiares', o lobby pró-armas nos EUA, ou 'as meninas são de cor-de-rosa e os rapazes de azul' dos Bolsonaros, os pró-tourada, os homofóbicos, etc. Acantonados nas suas 'causas', cada uma reforça a outra, o SOS Racismo dá forças ao PNR e vice-versa, e fora do 'meio' destes confrontos, a nova direita 'alt-right' ganha sempre mais força, porque é capaz de transformar isto tudo num discurso global através do populismo e a esquerda não" (JPP)

7 comments:

Beep Beep said...

"Um negro rico, ou académico, ou yuppie, ou consultor financeiro é cada vez menos negro"

Completamente errado. Ignorando completamente as dificuldades gigantescas em lá chegar, excepto se já vier de famílias abastadas e com conexoes, JPP acha mesmo que se um negro for visto na rua, num supermercado, num restaurante, a querer entrar numa discoteca, etc, as pessoas que com ele se cruzam, ou o devem atender, vao pensar "Ah, é consultor financeiro"? Ou irao pensar que é "um preto", e irao negar-lhe a entrada, ou mandar o seguranca vigiá-lo?

Dispensava isso, como dispensava o "Eles também sao racistas" sobre África. O status social dos brancos em África nao tem nada a ver com o dos negros em Portugal.

Concordo com as dificuldades que a esquerda tem em combater discursos facilistas-popularuchos. Mas acho que ao Pacheco falta nocao neste texto.

João Lisboa said...

Mais ou menos de acordo. Mas, ao mesmo tempo, dizer "as pessoas que com ele se cruzam, ou o devem atender" também cai numa generalização abusiva: "as pessoas"? quais "pessoas"? todas as "pessoas"?

João Lisboa said...

Maa o essencial, para mim, é: "Sem dúvida, a cor da pele conta e agrava, mas as fontes do conflito são sociais antes de serem 'identitárias'"

Beep Beep said...

Nao é preciso serem todas. O problema é haver muitas, e uma só já ser demais.

João Lisboa said...

Claro que uma só já é demais. Mas, na ausência de um mundo perfeito, só uma já seria óptimo.

Mais "food for thought": existe - por cá - racismo em relação a chineses, indianos, paquistaneses, nepaleses? Não será, mais uma vez, por uma questão essencialmente social, isto é, por todos ou quase todos eles fazerem parte de uma classe média (mais baixa ou mais alta) comerciante e não de um proletariado/lumpen encarado como inferior e desclassificado?

(claro que existe, paralelamente, a exploração selvagem e criminosa - tráfico humano/escravatura - de trabalhadores asiáticos na agricultura e noutras actividades; mas isso já é outra conversa que poderia até incluir o tráfico de mulheres de várias origens para a prostituição)

Beep Beep said...

Já nao moro em Portugal há quase 6 anos. Mas enquanto o PM for designado como "o Chamucas", e os indianos e paquistaneses forem "os monhés", diria que sim, que existe racismo. A diferenca, se calhar, factores como a história expliquem a diferenca com que sao encarados. Talvez, se nao montassem o próprio negócio, nao lhes fosse assim tao fácil arranjar emprego noutros sítios.

Porque na questao da origem social, o branco que for de fato e gravata a entrevista de emprego, é provável que só lhe olhem para as qualificacoes, e nao saibam ou perguntem se ele vem de um bairro social. Será que no caso dos nao-brancos (e isto sem esquecer que o "branco" tuga nao é branco nenhum aos olhos de outros mais "esbranquicados") isso seria verdade?

João Lisboa said...

"enquanto o PM for designado como "o Chamucas", e os indianos e paquistaneses forem "os monhés", diria que sim, que existe racismo"

É racismo, sim. Mas daquela variedade, indiscutivelmente imbecil, mas inóqua. Não imensamente diferente das anedotas sobre alentejanos.

"Talvez, se nao montassem o próprio negócio, nao lhes fosse assim tao fácil arranjar emprego noutros sítios"

É possível que sim. Mas, mais uma vez, é essa possibilidade de montar um negócio que os "eleva socialmente".

"Será que no caso dos nao-brancos (e isto sem esquecer que o "branco" tuga nao é branco nenhum aos olhos de outros mais "esbranquicados") isso seria verdade?"

Isso até está bastante explícito no texto do PP: "Sem dúvida, a cor da pele conta e agrava".
E, sim, há olhos que observam o "branco tuga" como "not quite" branco. Mas, insisto, especialmente neste caso, pelo preconceito de ser europeu do Sul, pobretanas, madraço e pouco "empreendedor". O chamado reflexo-Dijsselbloem.