04 December 2018

VENTO, TERRA, FOGO, ÁGUA


Em Double Trouble: Bill Clinton and Elvis Presley In a Land of No Alternatives (2001), Greil Marcus conta como o plano inicial de David Thomas para os Pere Ubu era ’gravar um artefacto’ que ‘lhes desse acesso à Fraternidade dos Desconhecidos que se ia constituindo por todo o lado, nas lojas de discos em segunda mão’. A ideia era actuar e depois desaparecer, ser esquecido, e, algures no futuro, talvez mesmo depois de morto, ser descoberto e, só então, começar a transformar o mundo”. Praticamente as mesmas palavras poderiam ser aplicadas a um outro “artefacto” gravado em 2001: The Opiates, assinado Anywhen, na realidade, apenas um "nom de plume" para o sueco Thomas Feiner acompanhado pela Orquestra Sinfónica de Varsóvia. Literalmente esmagado e não poupando as palavras, na altura, descrevi-o como “O melhor disco de Jeff Buckley. O melhor disco de David Sylvian. O melhor disco de John Cale. O melhor disco dos Tindersticks. O melhor disco de Scott Walker. O melhor disco dos Blue Nile. O melhor disco dos Divine Comedy”. Não me arrependo de nenhuma dessas comparações (arrependo-me só de não lhes ter acrescentado os Triffids).



Simplesmente, enquanto imaginava que, inevitavelmente, pelo menos uma parcela do mundo civilizado iria ajoelhar perante tanta grandeza... nada aconteceu. Intimidadas pelas implacáveis proclamações (“Here come greetings from the fires of dusk, from all the places you never dared to walk, you never saw the silent battle zones beneath your towers and beneath your gardens") as gentes passaram de lado e Feiner, sem o saber, acabara de ser iniciado na Brotherhood of the Unknown. Em 2008, The Opiates seria remasterizado para a Samadhisound, de David Sylvian (Thomas Feiner & Anywhen: The Opiates – Revised), houve notícias avulsas de publicações em mp3, um website lacónico que, relutantemente, deixava escapar parca informação sobre colaborações com Steve Jansen e vagas bandas sonoras. Na Wikipedia, uma única página. Em português. Até que, de súbito, há semanas, sob a designação Exit North (Feiner, Jansen, Charles Storm e Ulf Jansson), surge Book Of Romance And Dust. Apetece repetir, sílaba por sílaba, tudo o que foi dito sobre The Opiates. Podendo talvez acrescentar-se – errando – que, agora, Ryuichi Sakamoto teria sido convocado para o deslumbre onde um translúcido impressionismo electrónico se infiltra por entre as palavras e as dissolve, “to hear the world, the void, the sound it makes, the wind, the earth, the fire, high water”.

2 comments:

André said...

O João Lisboa não imagina o significado do seu primeiro artigo no expresso, em 2001. Nunca lhe poderei agradecer tudo o que esse artigo que religiosamente guardo me proporcionou. Um dos álbuns da minha vida.

João Lisboa said...

ESte? https://lishbuna.blogspot.com/2007/12/brotherhood-of-unknown-iii-segundo.html

Não sei se me sinto confortável com tanta responsabilidade...