18 December 2018

DIZER O CONTRÁRIO 


Dando como exemplo a "Modesta proposta para prevenir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para as tornar benéficas para a República" – na qual, em 1729, Jonathan Swift, "nunca quebrando a absoluta gravidade da exposição”, propunha que os irlandeses comessem os próprios filhos –, Fernando Pessoa, dois séculos mais tarde, explicava que “Por ironia entende-se, não o dizer piadas (...), mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz”. Não será levar longe de mais essa ideia se a aplicarmos aquilo que, desde 1980, os eslovenos Laibach praticam: encarnando hiperbolicamente todos os modelos e estereótipos estéticos dos vários totalitarismos (do “romantismo de aço” de Goebbels, ao realismo-socialista de Zhdanov ou à variante "über-kitsch" maoísta) e, por meio deles, reconfigurando o vocabulário pop – em reportório original e álbuns de versões dos Beatles (Let It Be, 1988), Rolling Stones (Sympathy For The Devil, 1990), Bach (Laibachkunstderfuge, 2008, sobre a Arte da Fuga), hinos nacionais (Volk, 2006), e diversos, de Holst aos Europe, Status Quo ou Pink Floyd (NATO, 1994) –, o que daí resulta não são caricaturas a traço grosso mas um feroz exacerbamento identitário que, como diria Pessoa, apenas por ser tão excessivo não pode ser levado inteiramente a sério. 



Isso não os impediria, no entanto, de, a 15 de Agosto de 2015, se fazerem convidados das cerimónias de comemoração do 70º aniversário da vitória da Coreia do Norte sobre o Japão. Uma sobreposição tão perfeita quanto problemática: encenar a representação do poder desmedido em pleno universo ultra-orwelliano de delirante ficção política, ampliada ainda pelo facto de o programa ser essencialmente constituido por temas de The Sound of Music. Momento histórico, pois, no qual o bombástico perfil marcial-industrial-neo-clássico dos eslovenos desvenda um arrepiante avesso de "Sixteen Going on Seventeen" e "My Favourite Things" e a sinistra voz gutural de Milan Fras, dialogando com a candura de coros infantis, reveste tudo de uma muito apropriada sordidez obscenamente gótica. Embora presente no álbum, no concerto de Pyongyang, não ousaram incluir a paráfrase "How Do We Solve a Problem Like Korea?" mas, de regresso da missão diplomática Leste-Oeste, confessaram que a cerveja e a canábis da RPDC são óptimas.

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