05 September 2018

MANIFESTO

  
Em 1913, Luigi Russolo, no manifesto Futurista L'Arte dei Rumori, decretava: “Após terem sido conquistadas por olhos Futuristas, as nossas múltiplas sensibilidades ouvirão, enfim, com ouvidos Futuristas. Os motores e máquinas das nossas cidades industriais serão, um dia, conscientemente afinados de modo a que cada fábrica se transforme numa embriagante orquestra de ruídos”. Nas “liner notes” de Music For Airports (1978), Brian Eno anunciava os parâmetros por que a "ambient music" haveria de se reger: “Deverá ser capaz de acomodar diversos níveis de escuta sem privilegiar nenhum em particular. Será tão ignorável quanto interessante”. O número 2 do “Bikini Kill Zine” de 1991, publicava o Riot Grrrl Manifesto assinado por Kathleen Hanna”: “Acredito, com toda a força do meu coração, mente e corpo, que as raparigas constituem uma força revolucionária que pode transformar o mundo e que o transformará”. Em 2012, Nadezhda Tolokonnikova, perante um tribunal russo fantoche, expunha o programa das Pussy Riot: “Demos concertos nos túneis do metro, em cima de autocarros, no telhado de centros de detenção, em lojas de roupa e na Praça Vermelha. Acreditamos que a arte deverá ser para todos”. No Nu-Troglodyte Manifesto (2015), Jarvis Cocker proclamava: “Fujam do tagarelar constante, interminável e sem sentido que nos distrai de quem realmente somos e do que realmente queremos”



Em Agosto de 2018, num texto em que apresenta o terceiro álbum, Hunter, Anna Calvi junta-se à ilustre lista de músicos produtores de manifestos e declara: “Pretendo ir além do género. Desejo não ter de escolher entre o masculino e o feminino em mim. (...) Ando à caça de alguma coisa – desejo experiências, desejo acção, desejo liberdade sexual, desejo intimidade. (...) Desejo repetir infinitamente as palavras ‘rapariga, rapaz, mulher, homem’ até lhes encontrar os limites, contra a vastidão da experiência humana. Envergo o meu corpo e a minha arte como uma armadura mas também sei que ser verdadeira para comigo é expor-me a ser ferida”. Abertamente “queer e feminista” – mas as anteriores "I’ll Be Your Man" ou "Suzanne And I" haviam já aberto as hostilidades das políticas de género –, troca algo da amplitude e elaboração cinemáticas de Anna Calvi (2011) e One Breath (2013) por uma urgência quase militante de guitarras incendiárias e palavras de ordem cifradas ("As a Man", "Don’t Beat The Girl Out Of My Boy", "Alpha", "Chain"), em belíssimo registo de libreto operático “com uma causa”.

2 comments:

Rui Gonçalves said...

Não deixa de ser impressionante a facilidade com que a Anna Calvi muda rapidamente, na mesma canção, de um ambiente tenso e claustrofóbico criado pelas labaredas da sua guitarra para um cenário apaziguador e quase celestial nos belíssimos "corais" que vai amiúde semeando nos seus discos.

Anonymous said...

Frígida, frígido, frigidez, insossa