28 August 2018

CONHECER O SEGREDO 


“First thought, best thought” era o princípio orientador da poesia de Allen Ginsberg: dar livre curso ao pensamento “espontâneo” sem necessidade de o filtrar através de disciplinas ou formas estéticas. David Tattersall, dos Wave Pictures, prefere citar Neil Young – “The more you think, the more you stink” – e, a propósito do último album, Brushes With Happines, acrescenta: “Gravámo-lo todo, ao vivo, numa pequena sala, durante uma noite de Janeiro, até de madrugada. Escutá-lo é como estar presente numa cerimónia, conduz-nos até aquele lugar. É como ser-nos dado a conhecer um segredo que emana de um grupo de pessoas num determinado ponto, no tempo e no espaço. Imensas bandas alegam ter gravado o seu Tonight’s The Night ou Astral Weeks, um álbum especial registado naquelas raras circunstâncias noturnas, livres de pressões, uma colecção de jams inspiradas. Na verdade, não foi isso que aconteceu. Passaram eternidades a aperfeiçoá-lo. Este nosso é autêntico. Uma improvisação genuinamente embriagada” (no original, em inglês, “a genuine shitfaced improvisation” soa bastante mais realista). 



O método foi, aliás, um pouco mais radical: quando entraram na “pequena sala”, existiam apenas os textos de David para as nove canções e nem um compasso de música. Tattersall (guitarra), Franic Rozycki (baixo) e Jonny Helm (bateria) teriam de se dedicar à descoberta das peças sonoras que faltavam ao "puzzle", sob a acção supostamente benfazeja dos estimulantes envolvidos. Já com Beer In The Breakers (2011) o plano fora idêntico: gravar num espaço “não muito maior do que uma mesa de sala de jantar”, com material emprestado por Darren Hayman (outra carta fora do baralho, responsável pela série em curso Thankful Villages), sem recorrer a "multitracking" nem "overdubs", em uma ou duas "takes". Desta vez, segundo a lenda, foi tudo à primeira "take". Publique-se a lenda. Porque, tenha acontecido rigorosamente assim ou não, o que importa é que a banda que, desde 2003, após dezasseis óptimos álbuns (e dezenas de colaborações) sem alguma vez ter ultrapassado a condição de “best kept secret”, produziu mais outro clássico confidencial de "words & music", instantâneos (“The little window that I look out of has a pleasing view, electricity pylons seem to be friendly with the trees”) e observações (“There’s something to be learnt from this burnt match”), aparições de Django Reinhardt, Jerry Lee Lewis e Peter Green, e a sombra, só a sombra dos blues.

3 comments:

Bernie said...

Já com atraso, tropecei neste fabuloso álbum. Mais um, de tantos outros que esta banda nos tem trazido. Entrou imediatamente para a lista de favoritos pessoais.
Tórridas camadas sonoras de pesada insuficiência respiratória.

João Lisboa said...

"Tórridas camadas sonoras de pesada insuficiência respiratória"

Abrenúncio!

Bernie said...

Infeliz, eu sei..