05 June 2018

DEFESA DE TESE


Quando, muito relutantemente, no Outono de 1991, Liz Phair deixou, por fim, convencer-se a entrar num estúdio, a primeira canção que gravou foi "Chopsticks" na qual, sobre o acompanhamento dos célebres "Martelinhos", cantava: “I met him at a party and he told me how to drive him home, he said he liked to do it backwards, I said, that's just fine with me, that way we can fuck and watch TV”. Acabaria por surgir apenas como faixa de abertura no segundo album de Phair, Whip-Smart (1994), sendo esse lugar ocupado no disco de estreia do ano anterior, Exile In Guyville, por "6'1"" (“And I kept standing six-feet-one, instead of five-feet-two, and I loved my life and I hated you”) – irmã de armas feminista de "50ft Queenie" (“50ft queenie, force ten hurricane, biggest woman, I could have ten sons”), de PJ Harvey, incluída em Rid Of Me, dado à luz mês e meio antes e, como Guyville, exibindo na capa, uma fotografia a preto e branco e em tronco (quase) nu da sua autora. Faltavam ainda mais de duas décadas para a detonação do #MeToo mas, na privadíssima colecção de canções (Girly Sound) que Liz Phair nunca sonhara libertar das cassetes que registara domesticamente num gravador de 4 pistas, fermentava algo cuja ressonância seria de bem maior alcance que a sublevação "riot grrrl". 



O conceito de Guyville era tão simples quanto certeiro: “Como se estivesse a defender uma tese, peguei em Exile On Main St., dos Rolling Stones, e, praticamente canção a canção, reescrevi-o sob um ponto de vista feminino”. Em 18 faixas – tantas quantas as do álbum duplo dos Stones – vertidas num modo "faux-naïf", algures entre os Feelies e Lou Reed, Liz, sem cerimónias, demolia todos os estereótipos da feminilidade bem comportada (“I jump when you circle the cherry, I sing like a good canary, I come when called, I come, that's all “), invertia-os (“Every time I see your face, I get all wet between my legs, (…) I want to fuck you like a dog, I'll take you home and make you like it”), e assumia o comando (“It makes me want to rough you up so badly, makes me want to roll you up in plastic, toss you up and pump you full of lead”). 25 anos mais tarde, acrescentado de dois CD extra com as “Girly Sound Tapes” (“Têm coisas humilhantemente más...”, arrepia-se Phair), Girly Sound To Guyville mantém intacto o potencial explosivo.

4 comments:

Rui Gonçalves said...

Fora de contexto (a não ser pela peculiar sensibilidade musical feminina de ambas): ainda não escutei a quantidade suficiente de vezes para tirar uma conclusão, mas a gravação mais recente da Neko Case - Hell-on - pareceu-me óptima...

João Lisboa said...

Está na lista.

RMG said...

Nem de propósito, novo álbum a caminho: https://www.youtube.com/watch?time_continue=10&v=rJ-CtToFsWM

João Lisboa said...

Yep.

Óptimo video.