23 May 2018

TELA BARROCA


“To be on the cusp” significa “estar à beira de”, “prestes a”, “na iminência”. Ou, no caso de Alela Diane, nascida a 20 de Abril de 1983, o dia de transição – "cusp" – entre o Carneiro e o Touro do Zodíaco (não acreditamos mas é simpático que alguém tenha descrito esse dia como “a data em que nasce o amor físico, o início de todos os prazeres, o ponto no qual a energia se converte em matéria”). O que voltaria a acontecer com a sua segunda filha, Oona, vinda ao mundo a 20 de Fevereiro de 2017, "cusp" de Aquário e Peixes. Um parto difícil e prematuro que deixaria Alela “on the cusp of life and death”. Com mais ou menos tempero esotérico, a dose suficiente de coincidências e drama para não ser demasiado estranho ter atribuído o título Cusp ao seu quinto álbum a solo, ensaio intensamente poético sobre a experiência da maternidade, observada sob ângulos vários. 



Provavelmente, mais autobiográfica em "Threshold" (“Certain things cannot be explained even when you're on the other side, I'm standing in the threshold between two white rooms, in each I see a vision of something I hold true”), deliberadamente política em "Émigré" – inspirada na fotografia de Aylan Kurdi, o menino refugiado sírio afogado numa praia da Turquia –, com o arranjo de cordas a submergir literalmente as palavras (“I can feel the fear hang heavy on the water, glinting sharply with the pale moonlight, mothers hold on tightly to your children as the waves are breaking violently tonight”), evocando Sandy Denny – perturbadíssima mãe de uma bebé prematura mas autora e voz sobrenatural – em "Song For Sandy" (“A lady came from London town, her voice like water from a snowmelt stream, shared her songs in drunken rooms, never once sang out of tune”), Cusp é uma belíssima tela de folk requintadamente barroca que, aqui e ali, dir-se-ia ter tido a mão de Van Dyke Parks: escute-se a alucinada insolação de "Yellow Gold" (“Colors, colors, swallow me whole, weightless, brightness, abandoning fear, turbines spinning, indigo skies, mirages flicker on the endless desert road”) ou a impressionista beatitude intrauterina de "Buoyant" (“Buoyant in the water, swimming in the river, she was floating sweet within me, waiting on the other side”) e não se duvidará que, ao contrário do que Alela Diane supõe (ler entrevista), a folk actual está em muito melhor forma do que quando parecia "on the cusp" de voltar a conquistar o mundo.

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