01 May 2018

EM FÚRIA 


Na sexta-feira 24 de Junho de 2016 – o dia a seguir ao referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia que os partidários do Brexit venceram com 51.9% dos votos – Clottie Cream, L.E.D., Naima Jelly e Rosy Bones assinavam contrato nos escritórios da Rough Trade. Porém, para as quatro Goat Girl, o momento foi agridoce: a felicidade por, sem sequer um único single gravado, terem recebido a benção da histórica "indie" era amargada pela consciência do tremendo disparate político que pouco mais de metade do país, na véspera, havia cometido. Sem vontade para medir as palavras, três meses depois, publicavam "Scum" – “I honestly do think that someone spiked their drinks, how can an entire country be so fucking thick? Hold tight to your pale ales, bite off your nationalist nails, we're coming for you, please do fear, you scum aren't welcome here” –, exercício de libertação da bílis acompanhado por um video de Holly Whitaker no qual duas dezenas de pessoas, uma a uma, são alimentadas à força. Não é abusivo dizer que, sob coordenadas estéticas diferentes, as Goat Girl são o equivalente do Sul de Londres aos "east londoners", Stick In The Wheel: gente decididamente enraivecida com a História política e social recente do país e da cidade e com muito pouca vontade de se manter em silêncio. 



Mas, se o grupo de Nicola Kearey e Ian Carter prefere uma rudeza folk de recorte modernista, o álbum de estreia homónimo das Goat Girl tanto faz pensar nas Throwing Muses como nas Slits, PJ Harvey ou até na sonoridade ferruginosa de Tom Waits. Elas, quando interrogadas, referem os Silver Jews, The Fall, Patti Smith, Billie Holiday e Sonic Youth. Algures entre Peckham e Brixton, zonas por enquanto libertadas da erosão gentrificadora, numa cena cujo polo é o "pub" The Windmill e o “So Young Magazine” a central informativa, pertence ao novíssimo quarteto feminino a mais intrépida voz: em fúria contra os pequenos pulhas anónimos (“Creep on the train with his creepy gold chain, creep on the train with his dirty trouser stain, I really want to smash your head in”), amotinada contra a corja política (“Build a bonfire, put the Tories on the top, put the DUP in the middle and we’ll burn the fucking lot”) e a sua acção tóxica (“Phallic building, cyanide killing all that was clear, find an antidote for this accumulating smoke”), e capaz de transformar uma canção do "musical" Bugsy Malone (1976) em palavra de ordem: “I was born to be a dancer, I won't take no for an answer”.

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