TERRITÓRIO MENTAL
O "cornish" (córnico) é uma lingua do grupo britónico – juntamente com o galês, bretão e cúmbrico – que, durante séculos, foi falada na Cornualha (em 1542, Andrew Boorde, médico e informador ao serviço de Cromwell, no Fyrst Boke of the Introduction of Knowledge, relatava que “In Cornwall is two speches, the one is naughty Englysshe, and the other is Cornysshe speche. And there be many men and women the whiche cannot speake one worde of Englysshe, but all Cornyshe“) até que, por volta do final do século XVIII, vítima de um daqueles processos de darwinismo histórico-político-linguístico, foi considerada extinta. O movimento de redescoberta do "cornish" arrancou no início do século XX mas só em 2010 a UNESCO tomou a decisão de elevar o rating de “língua extinta” para “em risco de extinção”, sendo reconhecida como “língua minoritária” pela Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias. Proeza de relevo para um idioma que, segundo um censo de 2015, é falado por pouco mais de 300 pessoas, mas não muito maior que o acto de coragem de Gwenno Saunders que ousou gravar Le Kov integralmente em "cornish", após a estreia, Y Dydd Olaf (2015), em galês.
Filha do poeta da Cornualha, Timothy Saunders, e de mãe galesa com cadastro policial por activismo político nacionalista, a ex-Pipettes (pastiche irónico dos "girl groups" spectorianos), depois do Brexit, deu por si constrangida entre “a tentativa de empurrar a sociedade para a ideia regressiva de uma Idade Média que nunca existiu” e a consciência de que “se fazemos parte de uma cultura dominante, o nacionalismo tem um significado muito diferente do que assume se pertencemos à cultura dominada”. E, no combate entre a homogeneização cultural global e o enquistamento tribal identitário, optou pelo alinhamento a favor da diversidade do "pool" genético linguístico britânico: “Quando perdemos uma língua, é também imensa a História que se perde”. Le Kov (“o lugar da memória”) é, então, um mundo imaginário germinado no interior do "cornish", mas um vasto território mental e sonoro onde mitos, heróis e lugares lendários locais se cruzam com J. G. Ballard e, sem tradicionalismos nativistas, num caleidoscópico oceano de psicadelismo retro-futurista, uma Jane Birkin lunar navega a bordo dos Stereolab, escoltada pelos Pram e Broadcast, enquanto se deixa hipnotizar pelo aroma de uns My Bloody Valentine sinteticamente vaporizados.
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