02 March 2018

Aparentemente, "Espaço Público" significa lugar onde qualquer um/a pode despejar a primeira fantasia neo-medieval que lhe vem à cabeça. Por exemplo, afirmar que “céptico militante em matéria científica" é sinónimo de "descrente e desacreditador de todo e qualquer paradigma científico que se desvie do materialismo positivista". Ou "desde os anos 20 do século XX que, com a revolução epistemológica operada pela física quântica, a ciência não é (...) aquilo que um grupo decide que é, impondo a todos um modelo epistemológico exclusivo para os modos de procura de conhecimento e investigação, como não pode e não deve assentar em dogmas (a ciência tornou-se a religião inquestionável do século XX) a partir dos quais se fabrica a chantagem emocional, a estratégia sempre eficaz do medo e a caricatura fácil". Por outras palavras, "a revolução epistemológica operada pela física quântica" legitimou o Professor Karamba, bravo pioneiro do combate contra "a religião inquestionável do século XX" e das "alternativas ao paradigma materialista da ciência"!


Aprendamos, pois, com a "curadora de arte contemporânea": "o ser humano não é apenas um conjunto de células em funcionamento, o seu psiquismo não emerge apenas do seu funcionamento cerebral e neuronal, a sua natureza não é apenas animal e a complexidade da sua termodinâmica (aberta, irreversível, espantosamente neguentrópica) exige a formulação de outros quadros de experimentação, de outras metodologias, de outros imaginários de indagação e, portanto, de respostas com outros horizontes de referência". Não, o ser humano é tal como o descreve o Karamba-com-estudos, Rupert Sheldrake, paladino do estudo dos fantasmas, mediums, telepatia e reencarnação!....

A "curadora" indigna-se: "O problema é que o jornal tem caucionado o ponto de vista socialmente dominante, prestando assim um mau serviço público: parcial e reducionista". Injustiça! O jornal tem dado o justíssimo destaque à corrente filosófica Karambista (ver aqui, aqui e aqui, por exemplo... mas há muitos mais) e a toda e qualquer criatura incapaz de distinguir Física Quântica de Vudu haitiano.

5 comments:

Anonymous said...

«Aprendamos, pois, com a "curadora de arte contemporânea": "o ser humano não é apenas um conjunto de células em funcionamento, o seu psiquismo não emerge apenas do seu funcionamento cerebral e neuronal, a sua natureza não é apenas animal e a complexidade da sua termodinâmica (aberta, irreversível, espantosamente neguentrópica) exige a formulação de outros quadros de experimentação, de outras metodologias, de outros imaginários de indagação e, portanto, de respostas com outros horizontes de referência".»

Não sei se a colunista se estava a referir a auras violetas, energias cósmicas, pensamentos positivos, programações neurolinguísticas, biorritmos, energias quânticas e outras crendices. Mas, sendo professor e crítico de música, foi pouco nobre insinuar que ser «curadora de arte contemporânea» é um atestado de incompetência científica.

Daniel Ferreira said...

Desculpe, mas por lapso enviei a mensagem anterior anonimamente.

João Lisboa said...

"sendo professor e crítico de música, foi pouco nobre insinuar que ser «curadora de arte contemporânea» é um atestado de incompetência científica"

Não é um atestado de incompetência científica, em si mesmo. De facto, como professor e crítico de música também não possuo nenhuma comptência científica formal. Mas coisa completamente diferente é exibir uma tão gritante ignorância daquilo que é (ou deveria ser) uma competência científica básica, aquela que, sem imensa especialização, deveria permitir distinguir ciência de Karambismos.

Acho mesmo que o estudo do método e pensamento científicos deveria ser cadeira presente no percurso educativo, do 1º ciclo a TODOS os cursos superiores.

Daniel Ferreira said...

Se a cadeira que sugere fosse realmente criada, creio que 99% do programa seria preenchido com a verborreia pseudo-científica e inconsequente a que os filósofos da Ciência nos habituaram e que a colunista elegantemente regurgitou [«...termodinâmica (aberta, irreversível, espantosamente neguentrópica)... imaginários de indagação»].

O que há a aprender sobre o método científico está nas matérias leccionadas. Mesmo que alguns programas possam sofrer de alguma falta de qualidade, os fundamentos estão lá. O problema está nos estudantes e na sua atitude perante o conhecimento. Não é por acaso que o conceito de «geração mais bem preparada de sempre» é patético. Nunca houve tantos burros a sair das universidades.

João Lisboa said...

"creio que 99% do programa seria preenchido com a verborreia pseudo-científica..."

Claro que existe esse perigo, tal como existe o perigo de gerações sucessivas ficarem vacinadas contra esse tema. Mas pode dizer-se o mesmo em relação aos Lusíadas, ao Pessoa ou aos Maias e, ainda assim, não me parece que devam ser excluídos. Tudo depende dos programas e, principalmente, dos professores (e da formação de professores). Mas isso é (outra) longa história...

"Não é por acaso que o conceito de «geração mais bem preparada de sempre» é patético. Nunca houve tantos burros a sair das universidades"

Não podia estar mais de acordo.