EXPLOSÕES
Caso esteja a instalar-se a suspeita de que, por aqui, existe uma espécie de "lobbying"-pró-David Lynch, é importante esclarecer que, sim, é inteiramente verdade. Não será, decerto, por acaso que, no espaço de mês e meio, este é o quarto texto que – directa ou indirectamente – se lhe refere. E, muito especialmente, em consequência da terceira temporada de Twin Peaks, objecto audiovisual definitivamente não-identificado capaz de fazer implodir as mais robustas sinapses. Em “The Ringer”, numa peça intitulada “‘Twin Peaks’ Has Moved Beyond Television”, Alison Herman qualificava a série como “narrativa quase puramente sensorial: não é por acaso que Lynch é responsável pelo 'sound design'” e acrescentava: “Esta temporada não é apenas irreconhecível enquanto iteração de Twin Peaks. É irreconhecível como televisão. (...) Tudo nela contem a alegria e a estranheza de um realizador de prestígio mundial a conseguir fazer o que nunca ninguém antes fez ou fará depois: um projecto artístico de 18 horas, alheio a qualquer ideia do que é suposto ser um 'longform' e distribuído por uma grande cadeia de televisão americana”.
Herman escrevia a propósito do 8º episódio (ainda não exibido em Portugal) mas motivos para o fazer não lhe teriam escasseado nos anteriores, desde as autocitações, às alusões a Playtime, de Jacques Tati, à implantação de "inserts" musicais da "playlist" privada de Lynch, ou ao intrincado labirinto de "subplots" que se multiplicam alucinadamente sem aparente (nem, obviamente, necessário) motivo. É, porém, num instante desse 8º episódio – nada de alarmes: uma das inúmeras coisas que Lynch evaporou foi o conceito de "spoiler" – que Twin Peaks desafia os mais ousados a descobrir os termos exactos para interpretar o que vêem e ouvem: um imenso "zoom-in" de 5 minutos até ao centro do cogumelo da primeira explosão nuclear norte-americana, a 16 de Julho de 1945, no Novo México, ao som da estridência das 52 cordas da Trenodia Para as Vítimas de Hirochima, de Penderecki. Música do compositor polaco já havia sido usada por Lynch em Wild At Heart e Inland Empire (e também por Kubrick, em The Shining e William Friedkin, no Exorcista) mas nunca como aqui – talvez só à excepção das peças de Ligeti para a sequência da Star-Gate, em 2001: Odisseia no Espaço – dando tão intenso corpo ao sonho de Eisenstein e Prokofiev: articular imagens e música de forma a “produzir uma harmonia interna inexprimível em termos racionais”.
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