07 March 2017

MEIO SÉCULO

  
Stephin Merritt criou para si mesmo várias regras sagradas de trabalho. Uma – a que ele chama a “teoria ABBA” – estipula que, caso não consiga recordar-se de uma melodia que compôs, é porque, na verdade, ela não merecia ser recordada. Outra, incluída num “Formulist Manifesto”, proclama que “toda a arte aspira à condição do Top 40 bubblegum pop. Nós, formulistas, rejeitamos (com um suspiro de alívio) a iludida aspiração dos modernos à expressão individual”. Daí, decorre uma convicção: “Não preciso de inspiração. Preciso, sim, de tempo, um bloco-notas, uma caneta, e música de fundo apropriada para neutralizar a música que, inevitavelmente, tenho na cabeça”. Acessoriamente, dá-lhe jeito a noção de que “para qualquer ideia, existe, de certeza, um contexto no qual ela é uma boa ideia”. Por exemplo, gravar um álbum em que todas as canções começam por “i”, conceber uma trilogia “no synth”, afogar um disco inteiro em distorção, "à la" Jesus & Mary Chain, ou entregar-se incondicionalmente à escrita das 69 variações possíveis sobre a "love song".


Uma boa ideia foi também a sugestão do presidente da Nonesuch, que, há dois anos, por altura do 50º aniversário de Merritt, lhe propôs compor 50 canções, uma por cada ano de vida. Circunstância ideal para engendrar novas regras: num total superior a 100 instrumentos, apenas 7 poderiam ser utilizados em cada canção, o mesmo par de instrumentos só estaria autorizado a figurar num único tema e cada um deles num máximo de 7 faixas. Complicadinho? Talvez, mas não seria isso que impediria Stephin Merritt de – via Magnetic Fields e, dir-se-ia, todos os seus heterónimos – confeccionar 50 Song Memoir, uma assombrosa e musicalmente eclética autobiografia que funciona também enquanto espelho do último meio século de História americana. E tanto nos conta que foi gerado por “barefoot beatniks”, como revela que a sua primeira banda “made the Cramps sound orchestral, that’s an achievement I guess”, evoca Ginsberg e Stonewall, entoa hinos a Nova Iorque pós 9/11 e ao seu local de trabalho preferido (“sitting in bars and cafes, writing songs about songs and plays within plays”), destila veneno sobre o vasto clube de ex-namorados da mãe (“Na na na na, you’re dead now!”) e termina celebrando a gloriosa diversidade do sexo: “Nothing’s too strange for somebody’s palate, some spank the maid, and some wank the valet”.

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