28 March 2017

FILIGRANA


As “Peel Sessions”, do lendário DJ da BBC, John Peel, iniciadas em 1967 e apenas terminadas em 2004 por motivo da morte dele, estabeleceram um novo modelo de relação entre a rádio e bandas e músicos pop. Criadas como resposta a vários constrangimentos e limitações colocados pelo sindicato dos músicos e pela PPL (Phonographic Performance Limited, uma associação de editoras discográficas hegemonizada pela EMI), em mais de 4000 sessões, para cima de 2000 bandas (recordistas: The Fall, 32 sessões) dirigiram-se aos estúdios londrinos de Maida Vale, gravaram três ou quatro temas – que, para muitas, seria o seu máximo e único instante de fama – e, ao fazê-lo, geraram, simultaneamente, uma imensa descendência universal de programas radiofónicos da qual, também na BBC, “Live Lounge” é, hoje, o contemporâneo (e infinitamente menor) herdeiro. 



Foi, porém, esse o formato que inspirou Julia Holter para, após a publicação de Have You In My Wilderness, em 2015 – caso não se tenha reparado, álbum desse ano para a “Mojo” e “Uncut” e no top 5 da “Q”, “Wire”, “Guardian” e “Sunday Times” – e as canções que escreveu para a BSO do filme Bleed For This, de Ben Younger, lhes imaginar uma natural sequência de transição. Inaugurando a série “Documents”, da Domino (cujo objectivo é “capturar em alta-fidelidade a permanente evolução da música dos nossos artistas”), In The Same Room foi gravado “ao vivo” (isto é, “live in studio”, sem "overdubs" nem desvarios de produção, como se de uma sessão para rádio se tratasse), durante dois dias, nos RAK Studios, fundados há 40 anos por Mickie Most, um dos “inventores” do idioma pop britânico. Há, sem dúvida, algum espírito de inspiração jazzy na liberdade de movimentos – escutem muito e intensamente "Horns Surrounding Me", "So Lillies", "Lucette Stranded On The Island", "In The Green Wild" ou "Sea Calls Me Home" – com que Holter, Corey Fogel (bateria) Dina Maccabee (viola) e Devin Hoff (contrabaixo), nos novos arranjos e nas expansões e reinvenções dos originais, desdobram, recosturam e, em atitude de artesão de filigrana, detalham cada interstício sonoro das 11 canções recuperadas de Tragedy (2011), Loud City Song (2013) e, sobretudo, Have You In My Wilderness, agrupadas agora sob o título de outra de Ekstasis (2012) que, caprichosamente, se esquivou a figurar neste álbum.

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