10 January 2017

COWBOYS E AGRICULTORES 


Há cerca de um ano e picos, Brian Eno e o ex-ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, encontraram-se para uma conversa nas páginas do “Guardian”. Muito apropriadamente, o título era “Two Bald Heads Collide” e os possuidores de dois dos mais activos cérebros europeus contemporâneos dialogaram prolongadamente sobre darwinismo e os cães vadios da Crimeia que aprendem a utilizar elevadores, política e arte, CD vs vinil, Star Trek vs The Matrix (enquanto metáforas da relação entre humanos e inteligência artificial), a extinção do trabalho, Octavio Paz e o comunismo, Richard Dawkins e o gospel, o terrorismo e a fé. Não surpreendeu muito, por isso, que, em Fevereiro do ano passado, Eno – juntamente com Noam Chomsky, Julian Assange, Ken Loach, Slavoj Žižek, Toni Negri e vários outros – aparecesse como um dos fundadores do movimento DiEM25 (Democracy in Europe Movement 2025), de Varoufakis. 


Também não será, então, surpresa que, no formato mais convencional da recentíssima entrevista (à “Loud And Quiet”) a propósito do álbum Reflection – publicado no dia de ano novo –, os tópicos abordados não fossem muito diferentes: a desnecessidade de postular a existência de deus para explicar a criação de um universo complexo, a importância das artes no currículo escolar face a um futuro no qual a criatividade será uma das poucas armas de sobrevivência para o sapiens laboralmente obsoleto, ou o seu fascínio pela obra de Julia Holter. E tudo isso como irradiação natural de um disco contendo 54 minutos de música “generativa” (isto é, infinitamente auto-gerada a partir de uma série de algoritmos criados em colaboração com Peter Chilvers), algures entre o silêncio e o registo em "slo-mo" do movimento das marés aprisionadas num aquário. Brian Eno situa-se: “Talvez os artistas se dividam em duas categorias: agricultores e cowboys. Os agricultores tomam conta de um pedaço de terra e cultivam-na cuidadosamente, Os cowboys procuram lugares novos, excita-os a descoberta e a liberdade de estar onde poucos antes foram. Costumava supor que era mais cowboy... mas o facto de esta série de 'ambient music' durar já há 40 anos faz-me pensar que devo ter uma boa costela de agricultor”. Obviamente, terá também reparado no quanto esta música maravilhosamente não-humana é, em si mesma, um sinal indisfarçável do mundo que vai emergindo.

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