20 December 2016

APELO ÀS ARMAS
 

Em 2002, vinte e seis anos após a morte de Ulrike Meinhof – fundadora, com Andreas Baader, da Rote Armee Fraktion (Fracção do Exército Vermelho), grupo alemão de guerrilha urbana, activo de 1970 a 1998 -, a filha, Bettina Röhl, descobriu que, após o alegado suicídio de Ulrike na cadeia de Stammheim, em 1976, o cérebro da mãe havia sido removido do crânio na sequência da autópsia realizada pelo neurocirurgião Jürgen Pfeiffer, com o objectivo de investigar se uma anterior cirurgia poderia ter determinado alterações de personalidade e correspondente inimputabilidade. O recuperado cérebro acabaria por juntar-se ao resto do corpo num cemitério de Berlim mas Luke Haines que (em 1996, sob o "alias" Baader Meinhof) já havia dedicado um álbum inteiro à história da RAF, não o deixa descansar em paz: agora, em "Ulrike Meinhof’s Brain Is Missing" (primeira faixa de Smash The System), muito à sua maneira, reconta a história: “Ulrike Meinhof’s brain is missing, organic matter on the run, there’s a hullabaloo in the Stasi HQ, Jürgen, Jürgen, call the surgeon...”



Sim, porque para a personagem que tanto assina com o próprio nome como enquanto The Auteurs, Black Box Recorder ou... Baader Meinhof, e exibe um CV com mais de vinte álbuns, nenhum tema é inacessível. Espécie de singularidade cósmica resultante da colisão entre Jarvis Cocker, Momus e um Syd Barrett menos descompensado, Haines é um historiador iconoclasta da coisa pop – espreitem os livros Bad Vibes: Britpop and My Part in Its Downfall (2009)  Post Everything: Outsider Rock and Roll (2011) e a compilação de receitas Outsider Food And Righteous Rock And Roll (2015) –, um comentador sulfúrico da paisagem social britânica e confesso adepto da “personal anarchy”, actualmente “obcecado pelo maoísmo, a Incredible String Band e a segunda guerra mundial”. Um belíssimo caldo de cultura, pois, para este “Ritual magick agit prop call to arms” que celebra Marc Bolan e o sexo oral, reune "Bruce Lee, Roman Polanski and Me", recomenda (com solo de kazoo incorporado) a Incredible String Band – uns fulanos que cantavam “songs about caterpillars, hedgehogs and death (...) like a couple of weasels trapped in a sack” –, e convoca as massas para a revolta sob a palavra de ordem “I like the Monkees, do you like the Monkees? Let's smash the system!”

2 comments:

t. said...

Parece-me que o JL, qual garimpeiro, se vai defendendo dos 'hypes', recorrendo ao tempo como peneira. De cor, não me recordo nada de ter sequer comentado o 'New Wave' dos Auteurs (que por sinal é óptimo)- corroboradas as suspeitas, não mais largou o LH. Só ao quarto álbum é que me apercebi que aderiu à Julia Holter, o Bonnie Prince Billy também creio que não foi imediato. Com apreciações algo simétricas, foi relativamente omisso ou renitente na reverência incondicional aos Radiohead, Blur, Animal Collective, Sigur Ros, Angel Olsen, LCD SoundSystem, Father John Misty... Enfim, o meu ponto é só o de que me parece que, com maior ou menor antecipação, utiliza como ninguém os efeitos da 'oxigenação' para descodificar cada obra ou o próprio corpus do seu produtor. E o oxigénio é tão importante como o oxigenado antes de o ser. Eis a minha posta de hoje.

João Lisboa said...

Senti-me no divã do psicanalista. :-)

Mas, há por aí, pelo menos uma imprecisão: o Bonnie Prince.

E perdi a conta aos inúmeros "primeiros álbuns" sobre que escrevi.

Just for the record: continuo a não achar grande piada à Angel Olsen e LCD. E a última coisa que me passaria pela cabeça era andar a fazer risquinhos na parede para contabilizar amores e ódios. A 99%, nunca fiz nada que não fosse pelo puro gozo de o fazer.