TALHADO NA ROCHA
Mick Blake, "singer-songwriter" de Leitrim – na margem do “broad majestic Shannon”, como diria Shane MacGowan –, há dois anos, publicou no YouTube, "Oblivious", uma canção que, embora referindo-se muito especificamente à realidade irlandesa, se traduzida para português, nunca adivinharíamos que pudesse ter tido outra origem. Dedicada a “those suffering from blind allegiance or apathy”, é uma amável "folk ballad", a transbordar de amargura e revolta: “When they give all that you treasure away for a pittance, or banish your children to toil on a rich foreign shore, when they prey on the weakest and bow to the ones that have plenty, they know that you'll follow blindly as you did before (…) What will it take to make you angry? Where is the spark to light your flame? We've been sold out, taken in, yet blindly you do it all again, fuel that gravy train, oblivious, it's like we’re oblivious”. Já em 2012 – sempre exclusivamente via YouTube –, "Leitrim (A Brief History)" traçava uma arrepiante diagonal entre a Grande Fome de 1845/1852 (que dizimou um milhão de irlandeses e obrigou à emigração de outros tantos) e o tremendo colapso bancário de Setembro de 2008 (do qual a gravação das conversas entre administradores do Anglo Irish Bank, revelada pelo “Irish Independent”, poria um pacifista a sonhar com guilhotinas).
Christy Moore não estava desatento. Ele, “Irish national treasure” a comemorar 50 anos de carreira, fundador dos prodigiosos Planxty e Moving Hearts, orgulhoso autor de canções proibidas (por “subversivas”) na rádio e, em 2004, ao abrigo do Prevention of Terrorism Act, detido e interrogado pelo Special Branch britânico acerca dos textos que cantava, ele, Christy Moore, apadrinhou "Oblivious" e "Leitrim" e incluiu-as no seu reportório. A primeira surge, agora, em Lily, último álbum de Moore. E, transportada por aquela voz que se diria talhada na rocha de Benbulben, dificilmente se encontraria terapia mais poderosa contra a “blind allegiance” e a “apathy”. Algo que a intensa versão de "Wallflower", de Peter Gabriel (sobre os prisioneiros políticos), aprofunda e, com "The Ballad of Patrick Murphy", se converte em centro de gravidade de uma impressionante colecção de nove canções e uma assombração "spoken word" - "The Lost Tribe Of The Wicklow Mountains" – a partir de um poema de Dave Lordan.
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