NÃO FICÇÃO
“Used to be so wilfully obtuse, or is the word abstruse? Semantics like a noose, get out your dictionaries, I’m gonna cut to the quick, this is all non-fiction, words you beat with a stick, these are my true convictions”. Considerem estas palavras da canção que dá o título a Are You Serious, último álbum de Andrew Bird, como uma hipotética autocrítica ou, talvez, uma declaração de intenções para o futuro. Traduzindo-as em entrevista à “Vinyl Me, Please”, Bird explica-se melhor: “O que procuram, realmente, as pessoas nas canções pop? Desejam alguém que sofreu de verdade, que se trate de algo autobiográfico ou existe espaço para a irreverência presente em todas as formas de arte excepto na escrita de canções?” Poder-se-lhe-ia responder imediatamente apenas com duas palavras: Stephin Merritt. Mas, na verdade, seria preciso não notarmos que, por muito não-ficcionais que elas sejam e que – tal como já no anterior Break It Yourself (2012) – o esforço de controlo do "wordplay" tenha sido titânico, Andrew dificilmente consegue escapar à sua natureza profunda.
(noutra versão aqui)
Basta reparar, por exemplo, em "Saints Preservus", na qual, comete a proeza de citar, distorcendo, "Amazing Grace" (“I once was found but now I’m lost”), o soneto de Emma Lazarus, "The New Colossus", gravado no pedestal da estátua da Liberdade (“Bring me your poor and your trembling masses, bring them here, to shelter in your substructure parking lot”), e Stranger in a Strange Land, de Robert Heinlein (“I am a stranger in a land that’s anything but strange”). Ou, em "The New Saint Jude" – santo padroeiro das causas perdidas –, o Evangelho de Mateus (“Come on all you stand-up men, you self empowered go-getters”), transformado em pretexto para a apologia do pessimismo (“Ever since I gave up hope I’ve been feeling so much better”) e da misantropia (“Here’s a mighty revelation that’s sure to cure what ails you, that everyone’s a disappointment and everyone’s a failure”). Como sempre, mesmo que com nova equipa de músicos, a moldura sonora é detalhada, contrapontística, melodicamente rica, canções sobre a escrita de canções (a óptima "Left Handed Kisses", com Fiona Apple), o voyeurismo e a radioactividade, urdidas por quem se deixa inspirar “por lugares como a Holanda, Lisboa e Barcelona, onde os velhos observam as cidades, à janela”.
2 comments:
Quem também muito bem discorre sobre a esperança/pessimismo é o, (por cá) inacreditavelmente recôndito, Vic Chesnutt (infelizmente, levou-o ao extremo):'Free of hope, free of the past // Thank you God of nothing // I'm free at last'
Exacto.
Post a Comment