04 May 2016

BOTANY BAY 

E. Phillips Fox - Landing of Captain Cook at Botany Bay, 1770 (1902)

Uma das terríveis consequências do arranque da revolução industrial, em Inglaterra, no final do século XVIII, foi a migração em massa para as cidades de trabalhadores rurais, em grande parte condenados a condições de vida miseráveis e, quase inevitavelmente, à delinquência, punida com severíssimas penas de prisão. As cadeias rebentavam pelas costuras e a hipótese de deportação para a América do Norte, tornar-se-ia, subitamente, impossível com o desencadear da Revolução Americana, em 1775. A chegada do explorador James Cook a Botany Bay, confirmando a existência da Terra Australis, abriu uma nova possibilidade de o reino se ver livre dessa multidão de indigentes. A chamada First Fleet – onze embarcações, das quais, seis, a transbordar de prisioneiros – partiu de Londres, em 1787, com destino a Botany Bay, tendo aí aportado em Janeiro de 1788. Uma aterradora visão da “godforsaken land” que viria a ser a Austrália-colónia penal das primeiras décadas da ocupação britânica (160 000 deportados no total) é-nos dada em The Proposition (2005), filme de John Hillcoat, com argumento de Nick Cave. 


Botany Bay, entretanto, entraria no domínio da lenda popular através de "Jim Jones At Botany Bay", uma "folk ballad" australiana do início do século XIX (“Come and listen for a moment, lads, and hear me tell my tale, how across the sea from England I was condemned to sail, now the jury found me guilty, then says the judge, says he, oh for life, Jim Jones, I'm sending you ‘cross the stormy sea”) que, entre outros, Bob Dylan, Ewan MacColl, A. L. Lloyd e Martin Carthy cantariam. Também Jeniffer Jason Leigh (aliás, a temível Daisy Domergue) o faria, em The Hateful Eight, de Quentin Tarantino. Até ao instante em que o seu captor, John Ruth, The Hangman (Kurt Russell), enfurecido pela estrofe, inventada no momento, que Daisy acrescentara à canção (“By and by I'll break my chains and to the bush I'll go, and you'll be dead behind me, John, when I get to Mexico”), lhe arranca a guitarra das mãos e, desabridamente, a despedaça contra um poste. Poucos se terão dado conta mas, nessa cena, um crime de lesa património ocorrerra: a guitarra, emprestada pelo Martin Guitar Museum, da Pensilvânia, era – a bem do rigor histórico –, um precioso exemplar com 145 anos e alguém se esquecera de avisar Russell que, antes do gesto de tarantiniana violência, deveria ser substituída por outra...

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